Meu reino por uma vaca!
Titio, me desenha uma vaca! Era um pedido simples de ser atendido.
Eu já vira uma, e seria capaz de destinguí-la entre um cachorro ou outro animal qualquer, peguei lápis e papel e com ar decidido e comecei a rabiscar...
Começaria pelos chifres, faria-os grandes ou pequenos? Após grande exitação fiz um que não foi tão difícil, mas o outro... por mais que fizesse não ficava igual, porém após muitas chifradas achei que ficara bom.
O próximo passo seria fazer a cabeça, lembrei-me uma vez em que desisti de desenhar uma pessoa por não consegui fazer a parte de cima. É, mais de uma vaca não seria assim tão impossível, afinal já fizera os chifres, tudo indicava que seria em baixo, o local mais apropriado.
Desejei ardentemente que passasse qualquer quadrúpede para despertar minha inspiração, até a armação de um bumba-meu-boi serviria como modelo.
A que eu rabisque pareceu mais ser a cabeça de um burro. Se a vaca pudesse falar, com certeza diria que o asno era eu! Por fim fiz uma que mais aproximou-se da minha trôpega idéia. Faltava agora terminar os detalhes, como seria o focinho? Os olhos saíram rápidos, fiz a seguir as orelhas que ficaram meio em pé, alguém sorriu dizendo que estava mais para um cavalo de chifre...
Apaguei, tracei novamente, enfim, ficaram bem melhor, com mais alguns riscos, resolvi o problema do nariz. O contorno do corpo saiu fácil, mas ao tentar fazer o rabo, a coisa voltou a emperrar!
Por mais que tentasse, não conseguia imaginar como fazê-lo, era natural que a vaca estivesse em pé, mesmo assim não achava a posição ideal para o mesmo. O único rabo que aprendera a fazer quando criança, era rabo de peixe, desenhado na areia para ser ‘comido’ quadro a quadro na brincadeira de triângulo... Já havia visto em revista um peixe-boi, mas não ficaria bem uma vaca metida a sereia! Desenharia melhor um carro, um barco ou até um avião. Porém ela pediu uma vaca e que estivesse comendo capim...
Bom, após ter colocado um rabo qualquer, apareceu um problema ainda maior, as pernas! Jamais imaginei tamanha dificuldade. Nunca havia reparado com detalhes as pernas de uma vaca, as únicas pernas que me atrevera a desenhar eram as pernas das meninas da escola na capa dos meus cadernos que de tantas pareciam centopeias... Por maior esforço que fizesse, não saia nada, a vaca que me vinha à mente deveria ser uma vaca-cobra.
Entortei algumas linhas que mesmo desproporcionais em tudo, impus à pobre, que ficou assim meio robótica, pensei ainda em fazer uma casa e falar que a vaca estava por trás, mas não daria certo, ela queria vê-la e ainda por cima comendo capim.
Quando por fim lhe entreguei, o que mais parecia com uma, ela sorriu num gesto de puro contentamento, depois olhou-me com aqueles brilhantes olhos arredondados, impossíveis de serem contrariados e me pediu:
Titio, me desenha um bezerrinho...
Escrito para minha sobrinha Ana Lyvia, no auge de sua infância...