O mundo não é binário

O mundo não é binário

*Se você enxerga o mundo de maneira binária e acredita que há duas forças políticas opostas disputando quem tem mais poder N O SIGA COM ESSA LEITURA.

A primeira vez que um aluno me perguntou sobre a diferença entre esquerda e direita na política fiquei um pouco assustado. A minha inexperiência fazia supor que essa diferença era evidente. Qualquer ser pensante conseguiria facilmente distinguir quem defende um modelo que priorize a justiça social de um tipo de pensamento que privilegie aspectos individualistas. Na minha cabeça não havia espaço para dúvida. Mas não era tão simples assim. Ano após ano tive que repetir inúmeras vezes as diferenças entre os dois conceitos, sempre valendo-me da brilhante visão de Gilles Delleuze, onde ele afirma que “ser de esquerda ou não é uma questão de percepção”. Ser de esquerda, para Delleuze, é pensar o mundo do macro para o micro. Primeiro no planeta como um todo, depois no continente, país, estado, cidade, bairro, casa e por fim em si próprio. Não ser de esquerda é ter a visão oposta disso.

Os últimos quatorze anos no Brasil transformaram as visões políticas divergentes num verdadeiro Fla x Flu. Ser de esquerda virou sinônimo de comunismo, que por sua vez virou sinônimo de petista. Ser de direita virou sinônimo de tucano, que virou sinônimo de golpista. Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno. Tanto esquerda quanto direita tem ramificações diversas. A esquerda vai desde o pensamento social democrata, situado ao centro esquerda, até o anarquismo na extremidade. Já a direita vai desde o liberalismo, que, ao contrário do que grande parte dos extremistas acredita, não deixa de lado as questões de justiça social, até o extremismo que pede intervenção militar. Não se deve jogar fora a água do banho com a criança dentro.

As teorias marxistas, que dão suporte ao pensamento de esquerda, analisaram um modelo de sociedade específico pós Revolução Industrial. Hoje a complexidade das relações sociais e econômicas dificultam a compreensão das relações humanas utilizando só um modelo teórico. As teorias foram criadas para serem a base de estruturação de nossas ideias e não para serem elevadas à um altar, onde deveriam manter-se dogmáticas, inquestionáveis.

Se deixarmos os pensamentos extremistas de lado (que só servem para nivelar as discussões por baixo), tanto a direita (liberais) quanto a esquerda (social democratas) tem ideias mais próximas do que distantes. Ambos anseiam por uma justiça social, de maneira a conceder a todos os indivíduos a possibilidade de participarem ativamente da produção e distribuição das riquezas do país. O Estado deve zelar pelo bem-estar social de sua sociedade, mas não deve ser um Estado controlador, inchado, burocrata. Max Weber, filósofo alemão, disse: “A burocracia impede o bom funcionamento do Estado”.

Para ser de esquerda não é necessário refutar Adam Smith, nem achar que o modelo liberal é totalmente descontrolado. Para ser de direita não é necessário achar que todos que defendem justiça social são comunistas, petistas etc. Aliás, o PT é um partido que tem ideias mais próximas à social democracia do PSDB do que as ideias revolucionárias de PSTU e PCO, por exemplo.

Ter uma ideologia política não significa torcer contra qualquer governo que não venha da base que compõem os partidos de esquerda. O próprio Delleuze dizia: “Não existe governo de esquerda. Existem governos que adotam algumas medidas defendidas pela esquerda”.

Os brasileiros descobriram a Guerra Fria agora, mesmo após 27 anos da queda do Muro de Berlim. Não cabe mais essa divisão arbitrária e rasa, onde as pessoas se veem quase obrigadas a optarem por um dos dois lados. O modelo socioeconômico é muito mais complexo do que isso. O mundo não é binário e concordar com ideias vindas do pensamento oposto ao seu não o faz comunista ou reacionário.

Sei que vou frustrar os adeptos das teorias de conspiração, mas NÃO HÁ UM PLANO COMUNISTA para tomar o poder. Isso era o discurso de Getúlio Vargas, em 1937 para justificar o golpe do Estado Novo. Liberte-se do discurso da Guerra Fria. Ela já acabou faz tempo.