ANDANDO PELO CALÇADÃO
Hoje, andando pelo calçadão da praia de Copacabana, lembrei-me que não conheci o meu avô paterno e somente vi minha avó quando eu era criança. Ela deitada na cama por causa de uma doença degenerativa; eu chegava perto, pedia benção e ela, toda paralisada, ainda apertava a mão direita... Nem estes contatos duraram muito e logo ela morreu.
Eu pensei que ambos avós, quando vivos e casados, também saíram para comprar pão e leite na padaria; ambos cercados de filhos tomaram café de manhã discutindo a situação escolar de um ou outro menino; comentaram sobre o frio de outono e questionaram o comportamento inconstante um do outro apesar das juras de amor. Ambos avós tiveram dúvidas ou medos e acreditaram em Deus de uma forma intensa; tão intensa a ponto de não perceberem o súbito arremate de tudo, da vida por eles tão acostumada a ser vivida, e que o Deus adorado não era uma matéria comovente, mas uma questão.
Meus avós não perceberam principalmente que o tempo passaria.
Meus dois avós revelaram entre si mesmos, o futuro político do país. Quem sabe reclamaram de vizinhos barulhentos ou arrogantes. Os vizinhos que, para seus filhos pequenos, um dia valeram o mundo inteiro.
Estes meus avós estão mortos, enterrados (há uma placa no túmulo). Cada um deles viveu mais de setenta anos e todos os dias destes anos vividos significaram o "tempo presente". O tempo presente tocava nas rádios através das canções de amor perdido... as inúmeras canções de amor perdido, que se perdem continuamente, porque se o amor não for assim, evanescido, qual a poesia?
O “tempo presente” soberano, o dominador hipnótico - mantém tantos casais unidos, que eles chegam a pensar em alguma permanência. Nada é permanente...
Passei por um casal que caminhava entre sorrisos. O casal representou para mim, naquele momento, todos os casais do mundo e isso simplesmente porque estavam felizes. A mulher que ria intensamente, encostou a cabeça no braço esquerdo do rapaz. Sentindo a cena, imaginei alguma coisa imutável... e as possibilidades surgiram.
As incríveis possibilidades são as únicas autoridades contra o tempo presente.
Quem sabe os meus avós não estivessem novamente, naquela minha lembrança, vivendo as suas felicidades e angústias: a angústia da doença do meu tio mais velho - morreu tuberculoso em 1936 - e este tio não estivesse revivendo o momento de sua morte, achando graça de tudo; porque no final vida e morte passaram a ser hilariantes e ele diz:
- Mamãe, minha vida cruza o espaço azul... eu quase me sinto uma das cantoras do rádio! Uma Aurora Miranda...
Decidi entrar em um açougue e pedir meio-quilo de músculo moído e meio-quilo de colchão mole cortado para bife. Não costumo comer carne. Fiz isto porque o ato parecia ser o de maior potencial corriqueiro para eu levar o resto do dia.
DO LIVRO: "TOUROS EM COPACABANA"