Coisas da Vida
Certa vez, isto aconteceu por volta de 1957, quando eu era ajudante de foguista nas locomotivas a vapor da Cia Mogiana de Estradas de Ferro, em trens de passageiros, quando ia de Campinas a Ribeirão Preto. Nas horas de descanso, em Ribeirão Preto, eu ia até um bar que tinha quadra de bochas. E como eu era um dos melhores atiradores do jogo de bochas, isto afirmado por conhecedores desse esporte, eu com meus 23 anos, rapaz muito humilde, ficava contente de poder estar entre os grandes atiradores de Campinas, nesse esporte, como Santo Manzato, José Nascimento, Osvaldo Felipe, Pimentão, Tércio Andreotti, e outros.
Porém um dia apareceu lá naquele estabelecimento de Ribeirão, um rapaz com uma viola, que foi dizendo que se alguém o acompanhasse com um violão ele iria tocar e cantar algumas musicas sertanejas. Então o dono do bar disse: “Eu tenho o violão, mas precisa de alguém para tocá-lo”.
Como ninguém se candidatou eu falei: “Eu tenho tido algumas aulas de violão com o Senhor João Alfredo, em Casa Branca, posso arriscar”. Então ai o violeiro afinou o violão e disse: “Você só precisará fazer assim”. E foi mostrando o que era necessário no violão.
E eu acompanhei o moço que também cantava muito bem. E eu tanto toquei o violão com acompanhei-o também cantando, coisa que eu fazia muito bem, cantando musicas de Carlos Galhardo e de Orlando Silva, sempre entre colegas de serviço. Foi um dia muito feliz. Esta poesia que segue aqui, eu fiz muitos anos depois desse acontecimento em Ribeirão Preto.
Fazenda Bela Esperança
I
Fazenda Bela Esperança
Onde eu passei em criança
O melhor da minha vida.
Lembro da paineira florida
Como o amanhecer era belo
Pois nos saudava, ao levantar,
Com seu maravilhoso cantar,
Um bando de sabiás amarelos.
II
Mas um dia, por necessidade,
Fui embora para a cidade
Procurar novo caminho.
Mas quando estou sozinho,
Fico me lembrando de ti.
Já andei, rodei um bocado
Com algum progresso alcançado,
Mas esquecer, não esqueci.
III
Depois de muito tempo passado,
Hoje, já homem formado,
Quis voltar para te ver.
Levei um choque danado
Nada pude reconhecer.
Está tudo abandonado,
É mato prá todo lado.
Até o velho arado,
Enferrujou, vai morrer.
IV
Até a velha porteira,
Que era robusta e faceira,
Ao abrir ela gemia.
Dela, só um moirão restava.
Ela que tanto assustava
Nas noites de ventania.
E a colônia de outrora,
Todo o povo foi embora,
Está inteira vazia.
V
Lembrei-me do João Quirino,
Que nas festas do Divino
Era o bastião chamado
Apesar da brincadeira
Ele comandava a bandeira
Que cantava por todo lado
Tinha Florêncio, Pato Preto, Zé Pereira
Mais Vicente, Meia Lua e seo Nogueira
Caprichavam prá cantar
Carregando o estandarte, o mulato Baltazar
VI
Parece que ainda estou vendo,
Com seu cavalo correndo,
O Seo Antonio Jacinto,
Administrador tão distinto,
Hoje tá velho encurvado
Já quase não pode andá
Mas apesar daquela idade,
Ele representa a saudade
De tudo que eu vivi lá
VII
Então eu sentei, já cansado
De procurar o passado
Meus olhos foram anuviando
Quando vi tava chorando
Ai eu garrei a pensá
Que o tempo destrói, por maldade
E tudo o que eu tenho saudade
Acabou não vai voltá.