Pérolas brasileiras
(baseado em trecho do livro “1808”, de Laurentino Gomes)
Joaquim José de Azevedo era o administrador de compras e estoques da casa real no tempo de D. João VI. Sendo íntimo da família real e responsável pela “comida, o transporte, o conforto e todos os benefícios que sustentavam os milhares de dependentes da corte, (...) enriqueceu tão rapidamente (...) que, em 1821, foi impedido de desembarcar em Lisboa pelas Cortes portuguesas”. A inglesa Maria Graham, amiga de sua mulher, ao chegar ao camarote do casal no teatro para “a noite do espetáculo de gala que celebraria a primeira Constituinte do Brasil independente”, deparou-se com a anfitriã coberta de diamantes que, na avaliação de Graham, “valeriam cerca de 150 mil libras esterlinas”, algo em torno de 34 milhões de reais hoje.
Bento Maria Targini, na época, comandava o erário real. De origem italiana, pertencia a família catarinense pobre e humilde. Começou no serviço público como guarda-livros, “um trabalho menor na burocracia do governo da colônia”. “Inteligente e disciplinado”, não tardou a se tornar escrevente do erário e depois a ocupar o posto mais alto nesse setor. “Com a chegada da realeza ao Brasil, passou a acumular poder e honrarias”, enriquecendo rapidamente como “encarregado de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos da corte”. Algo parecido ou em paralelo, respeitadas as inequívocas exceções e ponderáveis proporções, ao que fazem os síndicos de grandes conglomerados habitacionais, responsáveis pelos diversos contratos afetos ao condomínio com pagamentos sustentados pelas cotas condominiais.
No caso de Targini, talvez possamos incluir aqui o raciocínio segundo o qual quanto mais pobre e humilde o indivíduo, às vezes até analfabeto, maiores as chances e o pendor para o enriquecimento ilícito.
Ironicamente, “em reconhecimento aos seus serviços”, essas duas figuras foram promovidas de barão a visconde, durante o governo de D. João VI. O que fez com que os cariocas, “fiéis a sua vocação de satirizar as próprias desgraças”, como ainda hoje, comemorassem a corrupção com os seguintes versos populares:
Quem furta pouco é ladrão
Quem furta muito é barão
Quem furta mais e esconde
Passa de barão a visconde
Rio, 01/10/2016