Na Órbita do Próprio Umbigo
Se o homem soubesse as vantagens de ser bom,
seria homem de bem por egoísmo.
Santo Agostinho
Vivo uma fase sem espelhos. Não por falta de vaidade. Já viu o custo de um pouco de narcisismo? E de um muito? Colocá-los na casa toda, daria para trocar de carro! Foi o que fizemos.
Depois, compramos um espelho no supermercado, desses bem vagabundos que, apoiado na pia do banheiro, quebrava um galho. Infeliz escolha de palavras... O bicho em pouco tempo estava todo desconjuntado, moldura para um lado, vidro para o outro até que, há cerca de um mês, ele acabou reduzido a sete anos de azar. Já compramos outro, um pouco melhorzinho. Não dá pra viver sem nossos reflexos. Pra que negar? Assumo meu pecado: gosto da minha própria imagem. Incluindo a que o espelho não mostra e isto talvez explique essa minha pretensão literária que, segundo Aristóteles, nada mais é do que a busca pelo prazer do reconhecimento. Todos querem loas e ovações. Um elogio tem força motivadora maior do que qualquer livro de autoajuda: em busca de admiração, acabamos por nos tornar pessoas melhores.
Por outro lado, se fosse hoje, Narciso não definharia e morreria por seu amor não correspondido. Tomaria uns antidepressivos, abandonaria sua imagem lá no lago e sairia por aí cantando, do Rei: “só vou gostar de quem gosta de mim”.
Isto, porque vivemos um tempo em que se valoriza a independência emocional, o individualismo. Ama-se, e ama-se muito. Mas, se as coisas não dão certo, partir logo pra outra, é feio ficar sofrendo.
E isso não se restringe às relações pessoais. Em nome da autosuficiência, qualquer ação que não vise dar condição de autonomia, é tachada de assistencialismo e condenada por sua ineficácia. Pais, governos, entidades humanitárias não devem fornecer o peixe, mas ensinar a pescar.
Sou vegana, então, deixemos nossos irmãozinhos de escamas em paz e falemos apenas da dureza da vida daqueles que precisam mais do que aprender a se virar. Vidas duras, sofridas desde a tenra infância, sem condição de estudo ou de plantio, que dirá de colheita? Se seguirmos orbitando eternamente nossos próprios umbigos, jamais seremos capazes de entender que há muito mais no ar do que supõe a nossa vã crença na meritocracia, tão justa quando entre iguais, tão ilusória, quando não.
Texto publicado no jornal Alô Brasília de hoje e reeditado do texto homônimo, publicado neste Recanto das Letras em 04/10/2010.
Depois, compramos um espelho no supermercado, desses bem vagabundos que, apoiado na pia do banheiro, quebrava um galho. Infeliz escolha de palavras... O bicho em pouco tempo estava todo desconjuntado, moldura para um lado, vidro para o outro até que, há cerca de um mês, ele acabou reduzido a sete anos de azar. Já compramos outro, um pouco melhorzinho. Não dá pra viver sem nossos reflexos. Pra que negar? Assumo meu pecado: gosto da minha própria imagem. Incluindo a que o espelho não mostra e isto talvez explique essa minha pretensão literária que, segundo Aristóteles, nada mais é do que a busca pelo prazer do reconhecimento. Todos querem loas e ovações. Um elogio tem força motivadora maior do que qualquer livro de autoajuda: em busca de admiração, acabamos por nos tornar pessoas melhores.
Por outro lado, se fosse hoje, Narciso não definharia e morreria por seu amor não correspondido. Tomaria uns antidepressivos, abandonaria sua imagem lá no lago e sairia por aí cantando, do Rei: “só vou gostar de quem gosta de mim”.
Isto, porque vivemos um tempo em que se valoriza a independência emocional, o individualismo. Ama-se, e ama-se muito. Mas, se as coisas não dão certo, partir logo pra outra, é feio ficar sofrendo.
E isso não se restringe às relações pessoais. Em nome da autosuficiência, qualquer ação que não vise dar condição de autonomia, é tachada de assistencialismo e condenada por sua ineficácia. Pais, governos, entidades humanitárias não devem fornecer o peixe, mas ensinar a pescar.
Sou vegana, então, deixemos nossos irmãozinhos de escamas em paz e falemos apenas da dureza da vida daqueles que precisam mais do que aprender a se virar. Vidas duras, sofridas desde a tenra infância, sem condição de estudo ou de plantio, que dirá de colheita? Se seguirmos orbitando eternamente nossos próprios umbigos, jamais seremos capazes de entender que há muito mais no ar do que supõe a nossa vã crença na meritocracia, tão justa quando entre iguais, tão ilusória, quando não.
Texto publicado no jornal Alô Brasília de hoje e reeditado do texto homônimo, publicado neste Recanto das Letras em 04/10/2010.