Amar não cabe numa agenda de contatos. Viver não cabe no Lattes!
"Se eu pudesse lhe dar alguma coisa na vida, eu lhe daria a capacidade de ver a si mesmo através dos meus olhos. Só então você perceberia como é especial para mim."
Essa frase da Frida Kahlo foi uma das mensagens que recebi de aniversário, e já foi virando motivo de introspecção. Cá estou eu, agora, perdido numa introspecção que bate e não cessa. Perfura o âmago sem pudor.
Afinal, o que não causa introspecção hoje em dia nessa vida de morde e assopra?
O aniversário de 21 anos, a estória que ficou mal-contada, os pontos da carteira de motorista, a vida universitária, amizades desfeitas, amores improváveis, debates políticos semeados, o boleto que não foi pago, o beijo que não foi dado, ente-queridos enterrados, sentimentos ignorados.
Qualquer coisa é motivo pra criar lirismo, inventar ladainhas, mil e uma lorotas, sofrer por antecipação e refletir sobre a vida que não para, segue crua e finda num
tique taque medonho e globalizado. O ponteiro do relógio nunca foi tão cruel.
É o mesmo ponteiro do relógio que dá um soco no rosto daí, daqui e de lá, ditador, ou você vive ou existe, parar pra pensar pra quê? Não dá tempo nem de tossir. Amontoa isso tudo aí nesse peito medroso enquanto sonha um bocado de tardes tranquilas sob o arpejo do sol e sob a companhia de quem realmente faz seu coração balançar, uma hora o peito estala.
Quem foi que disse que as lágrimas que escorrem não são doces o suficiente para adocicar as feridas que ardem aí na alma inquieta?
Põe pra fora! A vida brota na nascente de um riacho. Deixa ela fluir, seguir seu curso, alcançar a foz, o êxtase pleno.
A gente reclama tanto da vida, a alma quando resolve inquietar não para mais. Mas tem hora que a gente tem que sossegar o facho, aceitar que nem tudo são flores, soluções não caem do céu, amizades não se criam com o entardecer de uma roda de samba, amores não surgem na fila do supermercado.
Tem hora que a gente tem que se amar, estufar o peito e dar a cara pra vida bater. Quem ama a gente vai continuar amando, quer você caia, afunde ou morra.
Levanta a cabeça meu caro, tá cheio de jardins cujas gramineas estão esperando para serem pisadas, flores para serem tocadas, sorrisos para serem desvendados, olhares para serem decifrados. Amar não cabe numa agenda de contatos. Viver não cabe no lattes.
Tem que se atrever. Deixa as borboletas borbulharem aí no estômago. O que é que tem?
Vai dizer que nunca sentiu o frio na espinha delirar os sonhos mais solenes e pulsantes aí dentro desse peito que estala?
O ponteiro do relógio não para.
Coloca tua melhor roupa, se tiver que ir despenteado, vai. Mas vai!
Medo de quê? De se arrepender?
Bobagem!
Quem sonha não tempo de se arrepender. Quem vive só tem tempo para esquecer. Esquecer as mágoas, os aborrecimentos, as ligações ignoradas.
Renova a alma. Deixa a chuva a molhar. Amanhã é outro dia. Sempre outro dia.
Encara esse mundão, vai sonhar sonhos de verão, descobrir qual vinho tem o seu paladar, chorar no final daquele filme preferido, mandar cartas de amor, transar sem pudor. E daí?
Vai viver, criatura!
A vida é poesia com rima que não rima, não finda, verso livre, ínfimo, intenso.
Esqueça os decassílabos. Liberte-se daquilo que te prende, sufoca. Deixe a alma ser. Sê inteiro.
Vai!
Declare-se.
Permita-se.
Levanta e anda.