O ENCOSTO QUE ESTRAGOU A MINHA NOITE - MAS QUE FOI GRATIFICANTE

Era uma daquelas noites deliciosas em Santa Maria da Vitória. Céu estrelado, Jardim Jacaré com um contingente mais ou menos, ruídos das corredeiras das águas do Rio Corrente, casais namorando, casais indo embora, pessoas andando pelas ruas, pessoas batendo papos etc.

Em um dos bancos do jardim, Rosinha e eu, como sempre jogando conversas fora, estávamos sentados no encosto de um banco na esquina de frente à casa de Belaísio, aliás, era um lugar no jardim sempre preferido por nossa turma. Juntando se a nós, chega o Delvany e sua namorada, hoje sua esposa, e que estão casados há mais de trinta e tantos anos para conversar com a gente. Em seguida chega o nosso amigo Vavá, acompanhado de duas garotas, uma delas era de estatura mediana e bem magrinha, corpinho geométrico, uma mulatinha cor de canela com cheiro de erva doce, e a outra, uma mulatona da peste, belas ancas, corpo rodoviário com curvas perigosas, uma bunda a la Brasil, cabelos ondulados pelo uso de bobes, nossa, uma caçamba de mulher!

- Vamos levar as meninas nas casas delas lá pras bandas do Sambaíba? Perguntou Vavá.

- Uma boa! Respondi de pronto já pensando em coisas boas naquelas ruas esciras do Sambaíba.

- Já que tenho que levar minha namorada na casa dela eu aproveito a oportunidade para subir juntos com vocês.

Então, juntos, Resolvemos sair do jardim Jacaré e já chegando à travessa que dá acesso à Rua Teixeira de Freitas Delvany e namorada se separam de nós, enquanto continuamos a nossa caminhada subindo a ladeira que leva ao alto da caixa d’água e de lá, contornando cemitério da cidade, chegamos a uma rua estreita cheia de casebres bem humildes e com poucas iluminações, o que eu já sabia previamente, e esta é a razão de ter aceitado o convite do nosso amigo Edvaldo, vulgo Vavá.

Já emparelhado com a mulatona e por indicação dela sobre a localização da sua residência, eu tive que andar uma pouco mais pra frente, pois a incumbência de levar a mulatona até a casa dela ficou por minha conta, é claro. Como a casa da mulatinha ficava antes, Vavá parou no meio da rua já de frente da casa da mulatinha e, no espaço que ficava entre a casa da mulatinha e da residência da mulatona o nosso fiel acompanhante Antônio Rosinha, como a um poste de luz, ficou ali observando o que poderia acontecer.

Bem, naquele momento eu já tinha entendido o recado e comecei a namorar a garota, a dar lhe uns abraços arrochados, beijos deliciosos, correndo as mãos pelas ancas volumosas dela. Como era escultural aquele corpo, cheio de curvas, parecidas com as curvas da estrada de bom Jesus da lapa, com muitas léguas a percorrer. O meu sargento rapidamente bateu continência e estava pronto para qualquer batalha. Bons tempos eram aqueles, sargento em forma.......

Quando eu estava com os motores roncando em silêncio para começar o meu enduro sobre aquelas curvas perigosas mas , quando me preparava para a largada, ouvi o grito do nosso amigo Vavá: Socorro! Ajudem - me! Esse grito interrompeu a minha aventura amorosa e ao invés de correr sobre as curvas da mulatona tive que correr em direção do nosso amigo para saber o que havia ocorrido.

Ao chegar, deparei-me com uma cena inusitada! A mulatinha desmaiada nos braços de Vavá, sendo ajudado pelo amigo Rosinha.

- Caramba, ela não resistiu ao seu beijo! Ironizei.

- Nada disso! Respondeu. Eu estava conversando com ela e de repente ela mudou a voz e começou a cair e eu a aparei nos braços para não deixa-la se esborrachar no chão, completou Vavá.

Vavá Rosinha e eu carregamos aquela garota mulatinha até a casa dela. Ela já era amiga do Vavá desde a Sambaiba até São Paulo e que estava passando férias em Santa Maria. A porta estava aberta e de lá saia um feixe de luz bem tênue que formava um pequeno caminho claro que iluminava a areia do chão da rua. Vává chamou a mãe da garota que também era sua conhecida.

Com aquele jeito humilde, mas que deixava transparecer uma doçura de uma pessoa moradora da Sambaiba, a mãe da garota atendeu ao chamado do nosso amigo pediu a nós para acomodarmos a filha dela em uma cama bem surrada, que tinha como sustentação, alvenarias embaixo servindo de pés, já que não havia mais pés naquela cama, dentro de um quarto sem portas, com apenas uma pequena cortina de chita de um azul-claro surrado.

- Podem colocar ela na cama, por favor, meus filhos! Falou a mãe com aquele jeitinho caipira e bem mansinho, enquanto acomodávamos aquele corpo magricela, mas que pesava mais do que a mulatona, pensava eu naquele momento.

Assim que acomodamos a garota na cama, com sandálias e tudo um fato engraçado aconteceu: A garota acordou do desmaio e começou a se mexer abruptamente e enquanto a mãe tentava acalmá-la, eu tinha que ficar recolocando os tijolos que sustentavam a cama, senão ela despencaria com garota e tudo mais, afinal de contas os sopapos eram em profusão e, se a cama se despencasse eu sabia que não resistiria a um ataque de risos, naquele momento tão sério.

Quando a mãe da garota nos informou que tinha um encosto que sempre pegava a filha, tanto em Santa Maria, quanto em São Paulo e que ela se recusava a fazer um tratamento espiritual, Vavá, metido a valentão e tal já pulou para o lado de fora do quarto e da casa gritando – Fique longe de mim se não dou uns tiros! Nem revólver o medroso tinha. Enquanto isso, Rosinha, kardecista, começou a rezar o pai nosso ali mesmo da pequena sala fazendo gestos com as mão.

A casa era muito humilde. Da porta do quarto até a porta da rua não era mais do que três passos ou, por isso Edvaldo, o Vavá, que confessou ter medo do sobrenatural ficou do lado de fora da rua com os olhos arregalados, enquanto Rosinha estava rezando de costas para porta da rua, a mãe tentando acalmar a filha e eu em apuros na tentativa de sempre recolocar os tijolos no lugar para a cama não despencar.

- Tem pé de laranja no quintal? Perguntei.

- Tem sim, respondeu a mãe.

- Então peguem umas folhas para fazer um chá urgentemente para acalmar a menina.

A mãe pediu para alguém que estava na cozinha e que eu não consegui identificar, para ir até o quintal pegar as folhas de laranja, enquanto outra pessoa acendia o fogão a lenha, que pelo andar da hora já estava apenas com o borralho.

Rosinha rezava, a mãe acalmava a menina, eu segurava os tijolos, Vává continuava do lado de fora enquanto alguém fazia o chá. Aos poucos a garota foi se acalmando e assim que trouxeram o chá e ela tomou, acabou se acalmando de vez, suada, espantada sem entender o que havia acontecido ali sentada na cama, com aquela gente toda, nós e os parentes olhando para ela.

- O que aconteceu? Perguntou a mãe.

- Tava conversando com Vavá, senti um peso na cabeça, o céu e a rua rodopiando e não via mais nada.

- Você tem que fazer o seu tratamento minha filha, precisa acreditar! Exclamou a mãe.

Em seguida, depois de verificarmos que tudo já estava devidamente serenado, saímos da humilde residência e retornamos para o Jardim Jacaré, ouvindo aulas de espiritismo dadas pelo Antônio Rosinha e também tecendo alguns comentários sobre o ocorrido, enquanto eu lamentava não ter podido ficar mais tempo com a mulatona e, entre risos e conversas fazia plano de encontrar de novo com ela. Aliás, essa mulatona tinha um irmão que tomava uns gorós, e numa dessas suas bebedeiras, Rosi, nosso amigo de infância, PM em diligência havia dado umas cacetadas nesse irmão dela que então jurou vingança, dizendo para todo mundo que iria mata -lo . Djalma de seu Joel, Sonélio, Cicero de Ferreirinha, Rosinha e eu conseguimos demovê-lo dessa ideia péssima amedrontando-o, mostrando a ele que se matasse um PM, seria caçado em todo país e que não escaparia de ser caçado e preso. Graças a Deus que ele foi embora para Brasília, esse meu cunhado de apenas uma noite, já que não encontrei mais com a mulatona, embora a visse de vez em quando.

Algumas semanas se passaram do acontecido e, estando novamente Antônio Rosinha e eu andando pela feira de sábado, e quando estávamos em uma barraca de frutas conversando com um amigo nosso em comum, dois jovens rapazes, também mulato, se aproximaram de nós e fizeram uma pergunta.

- Foram vocês dois que estiveram na nossa casa socorrendo a nossa irmã?

- Sim, respondemos.

- É que nossa mãe mandou a gente procurar vocês para agradecer o que fizeram por nós!

- Não há de que, respondeu Rosinha. Fazemos o bem para qualquer pessoa, inda mais essa pessoa sendo amiga de amigo nosso.

Confesso que fique emocionado, mas o que mais me chamou atenção foi a reverência com que os irmãos nos trataram. Parece que tínhamos feito algo com uma grandeza enorme! O que para nós, ajudar as pessoas era algo rotineiro, para eles soou como um grande ato de nobreza. Talvez pela humildade daquelas pessoas do Sambaiba que, como as pessoas do Alto do Cruzeiro, se sentiam como cidadãos da periferia de Santa Maria e a nossa preocupação em deixar as coisas bem em todos os detalhes, pode ter feito um bem danado para aquela família.

É o que há.