O CARURU DE COSME E DAMIÃO
O dia 27 de setembro é consagrado aos santos gêmeos São Cosme e São Damião cultuados na Igreja Católica. Eles viveram na Asia Menor, no século 4 da era Cristã. Eram médicos caridosos e, como seguidores de Cristo, foram martirizados até à morte, a mando do Imperador Romano Deocleciano.
Na Bahia, como não poderia deixar de ser, a celebração de São Cosme e São Damião é marcada pelo sincretismo cultural que teve origem nos tempos de escravidão, possibilitando a sobrevivência dos cultos afros reprimidos pelos brancos. Os negros eram forçados a aceitar a religião cristã. Logo perceberam que a única forma de manter viva a sua crença era associar a cada divindade orixá um santo da Igreja Católica. Assim ficava mais fácil manter a sua identidade religiosa. No caso dos orixás mabaços Ibejis, eles são filhos Xangô (São Jerônimo) e Iansã (Santa Bárbara). No sincretismo identificam-se com São Cosme e São Damião. São orixás crianças protetores da infância e da fraternidade.
O sincretismo consolidou os festejos baianos de Cosme e Damião com forte influência afro. É uma festa de congraçamento onde, ao lado das rezas, se oferecem comidas típicas como o caruru, vatapá, arroz, abará, acarajé, xinxim de galinha, feijão fradinho, pipoca, banana da terra frita e até roletes de cana. Tem também rodas de samba e muita alegria.
A velha Bahia engalanada presta a sua homenagem aos santos, com fiéis saindo às ruas em procissão. A missa celebrada na Igreja de São Cosme e São Damião, no bairro da Liberdade, é muito concorrida. A festança continua no batuque dos terreiros que se espalham por toda Salvador.
Hoje relembro com saudade os carurus de Cosme e Damião da minha infância. Por promessa, a minha mãe oferecia quase todo ano um caruru. Podia não ser um caruru grande para muitas pessoas, mas invariavelmente tínhamos caruru no dia 27 de setembro. Na verdade, por ser católica, mamãe não seguia os preceitos da religião afro. O seu caruru era acompanhado apenas de vatapá, arroz, e galinha (não necessariamente xinxim). Mas tinha também um licorzinho de jenipapo. Assim que terminava de preparar as iguarias, ela fazia dois pratos pequenos e os colocava no móvel onde ficavam as suas imagens santas, bem à frente do Cosme e Damião. Lembro até que duas pequeninas taças com licor de jenipapo eram colocadas ao lado de cada prato, sem faltarem as velas.
Terminada a festa, no dia seguinte tinha outro ritual. Convidava sete meninos para partilhar os pratos de caruru deixados para Cosme e Damião. Eu, meus irmãos Antonio Francisco e Dinho, os amigos vizinhos Tonho de Irineu, Lula e Gilson sempre eramos brindados com essa honraria. Os licores, é claro, ficavam fora do nosso bico.
Para concluir, não poderia deixar de falar dos sambas de roda que sempre animavam a festa depois da reza e durante a comilança. Aqueles mais animados usavam o prato e o talher para marcar o ritmo do samba. Recordo do meu tio Vivaldo que tinha uma habilidade e tanta para esse batuque. E as músicas se sucediam enquanto todos batiam palmas cadenciadas, alimentando os requebros dos mais desinibidos. Estes entravam na roda, sambavam às vezes aos pares e depois davam a clássica umbigada para chamar o outro para dentro da roda.
Bons tempos. Hoje amanheci com essas músicas na cabeça. Vou deixar aqui parte dos versos, como me lembro, para ver se algum leitor se recorda. Os conterrâneos e coetâneos certamente hão de se lembrar, pelo menos alguma delas. Para ouvir, certamente o "São Google" deve dar preciosas pistas.
1.
São Cosme mandou dizer
por duas pombinha azul
no dia da festa dele
São Cosme quer caruru.
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia.
2.
Fui no mato apanhar flor
encontrei cajá no chão
encontrei com Santa Bárbara
São Cosme e São Damião.
3.
Dois dois de ouro, vem cá
quem tá dormindo acorda
quem tá dormindo é Doum
Acorda Douu pra comer caruru.
4.
Cosme Damião
que tem pra nós comer
caroço de abóbora
com azeite de dendê.
5.
Mãe d'Água é rica, é rica
Mãe D'Água é rica, é rica
Mãe d'Água tem cabedá
Mãe d'Água paga dinheiro
Prá ver Dois Dois vadiá.
6.
Cosme Damião
vamos fazer caruru
pois é de todo ano
fazer caruru pra tu.
7. (Essa foi muito bem lembrada pela prima Ligia no seu comentário)
Dois dois é viageiro
que viaja no mar (bis).
olha barca virou
Dois dois quer nadar (bis)
8. Esta última, não faz parte dos cultos. Foi inventada por Gésia, prima de minha mãe e suas amigas, quando crianças. Totonho era o meu avô e Neném a minha avô).
Eu vou pra roça de Totonho chupar caju
e as castanhas vou deixar pro caruru.
Mas se a Neném fizer questão,
eu mando ela socar tudo no botão.
O dia 27 de setembro é consagrado aos santos gêmeos São Cosme e São Damião cultuados na Igreja Católica. Eles viveram na Asia Menor, no século 4 da era Cristã. Eram médicos caridosos e, como seguidores de Cristo, foram martirizados até à morte, a mando do Imperador Romano Deocleciano.
Na Bahia, como não poderia deixar de ser, a celebração de São Cosme e São Damião é marcada pelo sincretismo cultural que teve origem nos tempos de escravidão, possibilitando a sobrevivência dos cultos afros reprimidos pelos brancos. Os negros eram forçados a aceitar a religião cristã. Logo perceberam que a única forma de manter viva a sua crença era associar a cada divindade orixá um santo da Igreja Católica. Assim ficava mais fácil manter a sua identidade religiosa. No caso dos orixás mabaços Ibejis, eles são filhos Xangô (São Jerônimo) e Iansã (Santa Bárbara). No sincretismo identificam-se com São Cosme e São Damião. São orixás crianças protetores da infância e da fraternidade.
O sincretismo consolidou os festejos baianos de Cosme e Damião com forte influência afro. É uma festa de congraçamento onde, ao lado das rezas, se oferecem comidas típicas como o caruru, vatapá, arroz, abará, acarajé, xinxim de galinha, feijão fradinho, pipoca, banana da terra frita e até roletes de cana. Tem também rodas de samba e muita alegria.
A velha Bahia engalanada presta a sua homenagem aos santos, com fiéis saindo às ruas em procissão. A missa celebrada na Igreja de São Cosme e São Damião, no bairro da Liberdade, é muito concorrida. A festança continua no batuque dos terreiros que se espalham por toda Salvador.
Hoje relembro com saudade os carurus de Cosme e Damião da minha infância. Por promessa, a minha mãe oferecia quase todo ano um caruru. Podia não ser um caruru grande para muitas pessoas, mas invariavelmente tínhamos caruru no dia 27 de setembro. Na verdade, por ser católica, mamãe não seguia os preceitos da religião afro. O seu caruru era acompanhado apenas de vatapá, arroz, e galinha (não necessariamente xinxim). Mas tinha também um licorzinho de jenipapo. Assim que terminava de preparar as iguarias, ela fazia dois pratos pequenos e os colocava no móvel onde ficavam as suas imagens santas, bem à frente do Cosme e Damião. Lembro até que duas pequeninas taças com licor de jenipapo eram colocadas ao lado de cada prato, sem faltarem as velas.
Terminada a festa, no dia seguinte tinha outro ritual. Convidava sete meninos para partilhar os pratos de caruru deixados para Cosme e Damião. Eu, meus irmãos Antonio Francisco e Dinho, os amigos vizinhos Tonho de Irineu, Lula e Gilson sempre eramos brindados com essa honraria. Os licores, é claro, ficavam fora do nosso bico.
Para concluir, não poderia deixar de falar dos sambas de roda que sempre animavam a festa depois da reza e durante a comilança. Aqueles mais animados usavam o prato e o talher para marcar o ritmo do samba. Recordo do meu tio Vivaldo que tinha uma habilidade e tanta para esse batuque. E as músicas se sucediam enquanto todos batiam palmas cadenciadas, alimentando os requebros dos mais desinibidos. Estes entravam na roda, sambavam às vezes aos pares e depois davam a clássica umbigada para chamar o outro para dentro da roda.
Bons tempos. Hoje amanheci com essas músicas na cabeça. Vou deixar aqui parte dos versos, como me lembro, para ver se algum leitor se recorda. Os conterrâneos e coetâneos certamente hão de se lembrar, pelo menos alguma delas. Para ouvir, certamente o "São Google" deve dar preciosas pistas.
1.
São Cosme mandou dizer
por duas pombinha azul
no dia da festa dele
São Cosme quer caruru.
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia,
Vadeia Cosme, vadeia.
2.
Fui no mato apanhar flor
encontrei cajá no chão
encontrei com Santa Bárbara
São Cosme e São Damião.
3.
Dois dois de ouro, vem cá
quem tá dormindo acorda
quem tá dormindo é Doum
Acorda Douu pra comer caruru.
4.
Cosme Damião
que tem pra nós comer
caroço de abóbora
com azeite de dendê.
5.
Mãe d'Água é rica, é rica
Mãe D'Água é rica, é rica
Mãe d'Água tem cabedá
Mãe d'Água paga dinheiro
Prá ver Dois Dois vadiá.
6.
Cosme Damião
vamos fazer caruru
pois é de todo ano
fazer caruru pra tu.
7. (Essa foi muito bem lembrada pela prima Ligia no seu comentário)
Dois dois é viageiro
que viaja no mar (bis).
olha barca virou
Dois dois quer nadar (bis)
8. Esta última, não faz parte dos cultos. Foi inventada por Gésia, prima de minha mãe e suas amigas, quando crianças. Totonho era o meu avô e Neném a minha avô).
Eu vou pra roça de Totonho chupar caju
e as castanhas vou deixar pro caruru.
Mas se a Neném fizer questão,
eu mando ela socar tudo no botão.