UMA BARRAGEM EM IGUAPE-SP- 2ª PARTE O BAR DO BETICO
UMA BARRAGEM EM IGUAPE-SP- 2ª PARTE
O BAR DO BETICO
Depois de visitar o local da obra, nos dirigimos ao centro para um primeiro contato e tomar informações sobre o comércio local, hóteis, disponibilidade de imóveis, mão de obra local, etc. Nas implantações de obras é importante conhecer quais recursos podemos contar na cidade. Iguape girava em volta da Praça da Igreja Matriz, em cujo altar principal encontra-se a imagem do Bom Jesus achada pelos índios. Conta-se que na ocasião, os índios enterraram a imagem (é uma estátua grande, quase de tamanho real) com a face voltada para o poente e seguiram viagem. Ao retornarem, desenterraram a mesma para levá-la ao padre de Iguape e a imagem estava com a face voltada para o nascente. Começou aí a fé de que o Bom Jesus de Iguape é milagroso. Visitamos a imagem, eu em particular pedi que o Bom Jesus me protegesse e que não houvesse acidentes no decorrer dos trabalhos.
Iguape parecia saida de um livro de Jorge Amado. Ruas estreitas com pavimento de grandes pedras irregulares, meio fios de granito bem altos, calçadas estreitas. Casario antigo, sem varanda ou recuo frontal, construído no alinhamento das calçadas. Muitos casarões haviam sido construídos com alvenaria de pedras e argamassa feita de areia, conchas e óleo de baleia. Havia um pequeno cinema, com cadeiras de madeira, uns dois ou três restaurantes e pequeno comércio. Perguntando aos moradores quais os pontos notáveis, fomos parar no Bar do Betico. Ficava num dos casaroões, a uma quadra da praça da matriz. Mais ou menos igual ao Bar Vesúvio do turco Nacib de Gabriela Cravo e Canela. Um lugar fantástico, que guardo em minhas recordações com muito carinho. Homens bebendo uma cachacinha antes do almoço, alguns tomando cerveja. Uma mesa onde se jogava baralho. O personagem principal atrás de um balcão antigo de mármore, tentando atender os clientes, que faziam seus pedidos de onde estavam. Betico não saia detrás do balcão. Enchia os copos ou abria a cerveja e gritava para o freguês apanhar sua bebida. Era um bar de batidas feitas pelo Betico, aliás, o melhor fabricante de batida que conheci, olha que não foram poucos. Era um senhor de cincoenta e poucos anos, calvo, um bigode fininho, sandália havaiana, cara fechada. Resolvemos experimentar a famosa batida do Betico. Li a enorme lista de batidas. Escolhi a batida de butiá, uma frutinha que dá em um coqueiro, comum no sul do Brasil. Fui até o balcão e pedi: “- Uma batida de butiá, por favor.” Betico continuou trabalhando como se ninguém tivesse falado com ele. Esperei uns dois ou três minutos, repeti o pedido e obtive a mesma reação: nenhuma. Voltei a esperar mais uns minutos e perdi a paciência: “-Chefe quer ver uma batida de butiá!” e bati com a mão no balcão. Lentamente, Betico virou-se para mim: “-Calma senhor. Hoje eu fui três vezes ao banheiro. Estou com diarréia devido ao stress.”. Eu já ia responder à altura, pois fiquei irritado com a resposta. Eis que Betico puxa debaixo de um balcão um livro velho, todos aos pedaços. Era uma espécie de enciclopédia. “-Olha aqui”. Mostrou o vocábulo: “Diarreia: é uma disfunção do intestino causado por alimentação ou cansaço devido a atividades em excesso ou longos períodos sem dormir.” E continuou sua explicação: “- Fiquei três dias trabalhando dia e noite devido à festa do santo, estou muito cansado. Mas já vou lhe atender. Obrigado.” Aquilo me deixou sem ação. Aguardei e logo em seguida tomei a melhor batida que conheci. Lógicamente com muitas risadas. Betico tornou-se um bom amigo.
Paulo Miorim, 22/09/2016