NINA GALDINA
23 de setembro. Hoje seria o dia da minha morte.
No ano passado, eu percebi que não aguentaria por mais tempo
a vida que pesava. Sempre pensei em suicídio, na solidão,
na falta de afeto. Ano passado as coisas pareceram piores do
que de costume. Eu não tinha muitas forças para me reerguer,
nem queria fazer esse esforço.
Já tinha decidido tudo. Escolhi essa data, que era o equivalente
a “um ano depois”, porque uma personagem literária morreu
nesse dia. Ela tinha a minha idade. Ela teve uma doença.
Não que a depressão que sinto também não seja uma doença.
Eu nem estava ciente da campanha de #setembro amarelo.
Como não sei nadar e considero o mar de uma grandeza
indescritível, planejei me afogar depois das pedras, em uma
praia próxima. Seria uma coisa meio Virginia Woolf em
"As Horas": até comprei um vestido e um casaco com bolsos,
para preenchê-los com pesos que me fizessem afundar
mais rápido.Tinha decidido deixar cartas. Depois, desisti.
Para quê escrever sobre o que já era do conhecimento de muitos,
em vida? Eu estava perdida.
Mas, ainda no ano passado, bem no fim de 2015, alguma coisa
dentro de mim começou a melhorar, por pequenas questões
externas. Eu percebi que algo grandioso aconteceria ou que
alguém surgiria - e a vida teria uma melhora considerável.
Apostei no destino e acertei. A mudança veio em janeiro e, gradualmente, meu coração foi ficando tranquilo, meu rosto
mais sereno, meu olhar mais vivo. Experimentei uma
tranquilidade completa da semana passada para cá,
por exemplo.Somente o meu melhor amigo sabia dessa ideia.
Quando tentamos retomar contato, estive em uma fase hiper-destrutiva. Ele duvidava que eu fosse me matar hoje.
Fez bem em confiar em si mesmo.
Não é que eu tenha uma imensa vontade de viver,
mas tenho menos vontade de morrer. Hoje, faço planos.
Quero uma família. O mais extraordinário é que querem fazer
uma família comigo. Meu namorado, hoje, é a pessoa mais
importante da minha vida e a única que me ajuda. Minha atual sanidade mental aconteceu por sua influência. Ele reforça em
mim a noção de que só os afetos importam, e também cansei
de me auto-sabotar. Aprendi a cozinhar, estou comendo melhor. Trabalho em algo que gosto muito. Agora, faço caminhadas.
Tudo isso é culpa dele. Sei que hoje, assim como ontem e amanhã
e depois: nem todas as pessoas profundamente depressivas terão
uma sorte semelhante. Isso me dói muito: saber que uma menina
da minha idade provavelmente se matará por alguma razão
pequena, mas que agora parece um pesadelo, um monstro
que lhe puxa para a sombra e o abismo. Saber que falta afeto,
que ninguém a escuta, que ela não tem com quem conversar.
Saber que a dor é forte demais para esperar e que não há
paciência quando se tem depressão, tudo é questão de
imediatismo. Porém, essa é uma crônica de agradecimento e
eu peço que, mesmo assim, você espere. Todo esse caminho
doloroso fará algum sentido e, em breve, você estará desse
lado do espelho olhando para trás e vendo o quanto se superou.
Pois eu só sei que o dia começou chuvoso porque não me matei. Porque o chocolate antes do café-da-manhã tem um gosto bom. Porque ainda tenho setenta páginas para revisar. E cerca de seis
livros para ler. Porque eu preciso fazer aquela prova para entrar
na faculdade ano que vem. Porque quero mudar de cidade. Porque hoje tem o último capítulo daquela novela. Porque agora lavo
o rosto três vezes ao dia com sabonete específico contra a
acne - e tenho melhorado. Porque logo o sol entrará em Libra
e as coisas vão se equilibrar. Porque, mês que vem, estarei
em Paraty. Porque lá estrearei um vestido longo, colorido e sem bolsos. Porque amo e porque sou amada.
E porque o amor é mesmo a salvação e o motor de tudo.
Achei esse texto/ muito profundo... Por isso estou compartilhando
a quem interessar possa... Pertence a Nina Galdina...