A MINHA LETRA
A minha letra sempre me deixa muito atônito e quase revoltado quando escrevo qualquer coisa. Se estou correto com a gramática, o meu leitor fica embasbacado para realmente entender o que de fato eu escrevi. Tenho sempre tentado melhorar a minha letra, no entanto, não tem jeito. Quanto mais eu escrevo, mais a minha letra se transforma num verdadeiro emaranhado de coisas complicadas. Eu não tenho o dom da caligrafia e muito menos o dom de desenhar para poder fazer uma letra legível. Como eu foi também Lima Barreto, que tinha uma letra péssima, deixando os seus leitores quase sem entender coisa alguma. Hoje pouco me preocupa se tenho ou não letra boa ou má. Nem a minha letra péssima, nem a gramática terrível preocupam-me em escrever o que penso. O meu pensamento é mais importante do que a velha gramática de Machado de Assis e a melhor letra que houver. Eu vejo a letra como o cabelo, todo ele tem o mesmo valor. Entre uma letra bonita e uma lógica errada, eu sou mais a lógica certa. A minha caligrafia pode falhar, contudo, não fujo do meu pensamento exato e coerente em tudo. Até hoje não pude aprender a desenhar coisa alguma e por isso mesmo a minha grafia não é legível, como escreve muita gente. Não tenho boa letra, não faço escrita bonita, entretanto, garanto escrever com ortografia, coisa bastante rara. Eu posso provar isto com os meus textos feitos quase de improviso, onde a ortografia está presente, embora eu não tenha caligrafia, coisa tão comentada pelos tolos. Todo sujeito de mente estreita sempre acha ele que ser culto é ter letra boa e decorar muito. Está certo o que disse Lima Barreto com relação à sabedoria brasileira, disse o grande mestre: sabido no Brasil é todo aquele que decora nome de livros sem nunca os ler. As minhas garatujas deixam-me muitas vezes até risonho, porque eu fico a pensar comigo mesmo como foi que fiz uma letra tão feia daquele jeito. Já li centenas de livros, nunca tentei decorar nomes, pois não quero ser papagaio ou coisa parecida. O cantador de viola gosta muito de decorar e acha ele que é grande sabedoria, sendo assim, o papagaio é sem dúvida um douto. Quem não assimila o que leu, nunca chegará à lugar nenhum. Decorar e fazer letra bonita está muito ligado à todo aquele povo de poucas luzes. Decorar nomes de remédios, nomes de capitais, títulos de livros ou coisa que o valha, não faz parte de quem interpreta o pensamento literário. A minha letra hedionda me causa pouca birra porque eu tenho consciência do que escrevo. 50 anos de leitura deram-me bastante sapiência na escrita das palavras da língua de Bernardim Ribeiro e Júlio César Machado. Quanto mais eu faço as minhas garatujas, mais estímulo eu sinto para escrever os meus textos eruditos. Nosso José Lins do Rêgo, segundo Valdemar Cavalcante, tinha uma letra tão ruim que ele, Valdemar, passava horas e horas para decifrar o texto do autor de menino de engenho. Machado, segundo Raimundo Magalhães Junior, também tinha uma letra ordinária, embora dominasse a gramática muito melhor do que os gramáticos. As nossas ilustres professoras ainda pensam que escrever bem é ter letra bonita e decorar meia dúzia de regras de gramática, quando elas mesmas não sabem interpretar um pensamento por mais singelo que o seja. O orgulho da minha escrita é a letra ruim que eu sempre faço.
Autor: Antônio Agostinho