A conquista
A conquista
Se tem algo que traz orgulho aos homens, são nossas conquistas. A superação nos traz sentimento de dever cumprido e massageia nosso ego. É claro que existem conquistas que não trazem orgulho nenhum ao homem, nem o torna melhor, aliás, muito pelo contrário. Existem conquistas tão mesquinhas que levam o homem ao mais fundo abismo. E é exatamente da pior das conquistas humanas que eu venho falar hoje. Dessa, que ninguém gosta de discutir por achar sem importância ou desacreditar na sua existência. Tolos hipócritas e convenientes mesquinhos os que não acreditam na conquista do inferno. Dessa conquista que venho discutir a audaciosa “conquista do inferno”.
Imaginemos uma família normal aos nossos padrões, Tem um filho lindo, que é bem cuidado pela família, tem carinho e o que comer em casa, usa fraldas descartáveis e toma leite de qualidade. Posteriormente frequenta escola com amigos e acredita no mundo em que vive. Namora na adolescência, sorri, chora, se controla e se descontrola. Só um adolescente. Tem sua primeira relação sexual atrás de um caminhão na rua dos fundos onde a iluminação é precária. Uma droga de relação que o deixa feliz por acreditar que foi com a pessoa perfeita e que será seu grande amor para sempre, sem saber que não existe eternidade nessa terra.
Aos dezessete descobre que o amor perfeito mora no cinema, nas telas da televisão e nas histórias de amor, já no mundo real são raridades, excentricismo de raras boas almas sem interesse algum. Falando então em interesse, descobre também que é o que move o mundo capitalista e os outros regimes falidos de governo. Aos dezoito descobre que seus melhores amigos são seus concorrentes na vida e que seu líder espiritual tem defeitos e não é um santo. Descobre que se não ralar, lutar, estudar vai ficar pra trás e o mundo jogará seus cacos numa sarjeta qualquer.
Aos vinte descobre no primeiro emprego a disputa de espaço e que nem sempre o mais competente é o preferido do patrão. Aos trinta, já funcionário público concursado ou comissionado descobre aliados e inimigos. Luta com todas as forças uma guerra fria para destruir quem esteja no seu caminho ainda que atinja aliados. Está aberta então a temporada de caça a qualquer um. Valores como amizade, companheirismo aos poucos são esquecidos. O que importa é massacrar quem estiver no caminho. Seu esconderijo passa a ser sua arrogância, sua ética mentirosa ou por incrível que pareça sua bíblia que usa da maneira a defender seus interesses, sua religião que lhe serve de disfarce.
A conquista está próxima aos quarenta. Não consegue amar o próximo como a si mesmo, isso só funciona com santos. Fariseu e demagogo sem escrúpulos. Odeia os amigos do seu inimigo. Procura métodos para prejudicar. Tudo tem que ser ao seu jeito, e caso contrário inventa, denuncia, culpa. Todo amor esfriou, e a única coisa que entende por amor é o que sente por sua prole. Descendência maldita que deixa e que ainda cobra um mundo melhor para eles, sem se importar em deixar um filho melhor para o mundo. O planeta torce para ele não seja fruto do meio e sim o transforme.
Dia a dia, se sente feliz como o desamor que prolifera, com a raiva em seu coração, com a maldade que destila. Tudo lhe é refrigério momentâneo como droga que tem efeito passageiro e precisa de mais. Aumenta a dose periodicamente para satisfação própria. Se sente acima de tudo e de todos. Ama as coisas, e usa as pessoas. Não há mais retorno.
Parabéns, você conquistou o seu inferno.
Crônica dedicada aos homens que conquistaram seu próprio espaço na escuridão.