VAZIO DO SOL DO DRAGÃO DO PLANETINHA

Acordei leve depois de um sono rápido e profundo, havia terminado há pouco o Livro dos Prazeres e o prazer foi todo meu, obrigado, e me deixou um vazio bem grande e profundo como a fome, mesmo a fome após devorar um livro deixa uma fome ainda maior de profundidade cavada com uma pá que cava cova, a própria cova.

Impressionante como escritor gosta de profundidade e um vai aprofundando o outro e empurrando pra baixo e colocando no vazio das não aparências e causando solidão, como pergunta Ulisses à bela Loreley, pergunta se amor seria dar de presente ao seu amor sua própria solidão por ser a coisa mais ultima que se pode dar de si mesmo.

Nada se pode dar de si mesmo, caro Ulisses, pois isso não seria solidão. Solidão é mais ensimesmada que entregar de presente sua presente solidão. A própria solidão não se deixaria dar-se de mão beijada a qualquer um que não fosse sua vítima. Assim como o vazio só aparece em quem não tem nada nem ninguém, do contrário não seria vazio, seria compartilhado e uma vez dividido deixa de ser vazio.

Andei pensando nisso sobretudo após uma morte repentina de alguem um pouco próximo. Não pela proximidade em si pois nem guardava amizade verdadeira, mas pela sensação de nunca mais ver a pessoa, e parece que o cadáver agora exposto e corroído pela terra não existirá nunca mais deixando um certo vazio em quem ve de fora e um vazio silencioso ainda maior em quem apodrece vagarosamente dentro de um caixão. Alguem que outrora estava sempre ocupado e reclamara amargamente a falta de tempo pra si mesmo e há tantos anos sem férias, só podia ter como resultado um colapso agudo no miocárdio rompido pelo sangue escarlate explodindo o próprio coração sem dó das dores sofridas pelas ligações nervosas da medula central.

Vanitas Vanitatum, vaidade das vaidades é estar sempre exposto alhures e nunca olhar pro próprio vazio amargo da falta de sentido somente para evitar o sofrimento do vazio, então, encarar cara a cara o vazio do caixão embrulhando o corpo tabagista. Não quero morrer como um velho tabagista sem folego para exercer a vida com vitalidade, que é a unica coisa que importa. Não quero adoecer sem oxigênio para dar um beijo na boca nem tampouco que a morte seja lenta como enforcamento onde a vida parece um peixe ensaboado escorrendo pelas mãos e com cheiro de peixe podre com tabaco e o sabonete o perfume pré enterro.

O Livro dos Prazeres traz mais que prazer: prazer é ter os cinco ou quatro ou três sentidos sentindo redondamente prontos e enganados para pressentir e sentir oque só se sente vivo, sem as bobagens dignas de auto ajuda mas apenas saboreando cada prazer e cada dor como se fosse - e é - como se fosse a unica vez que tal dor e tal prazer fossem acontecer, até sentir tão docemente como o amargo amarga tão salgadamente que se torna picante a boca. Ao ver o quanto pode ser passageira nossa vida mesmo a consumindo pois não quero consumir meu corpo consultivo, quero consumir a própria alma.

Então acordei no sofá e tudo parecia apenas um sonho real tempestuoso onde o dia é apenas resultado do sol e o sol é de certa forma O Deus próprio, o sol nascera de uma batalha de trilhões de dragões contra outros trilhões bafejando chamas e assim como barril cheio de pólvora o sol pega fogo tirando dezenas de planetinhas do infinito gesto frio absoluto e caótico e infinitamente morto. Então de certa forma o sonho passou despercebido e com ele todo vazio foi-se com o corte da foice da ceifadeira pois agora vi algum sentido - para além de sol dragões e planetinhas - vi algum sentido - mesmo que inventado - vi algum sentido na vida.