---------------------  Que Cena!
 

A carroça puxada pelo cavalinho em traia de couro,  à claridade do meio-dia, desfila pela avenida principal do centro da cidade. Um  pano de chitão em estampas florais, à guisa de toldo, protege a família contra o sol escaldante.  À frente, aboletados no banco principal, vão pai e mãe. Atrás, supostos  três filhos — escadinha entre três e seis de idade — se acomodam enfileirados no assoalho de madeira. Fechando a pintura do  insólito quadro, o festivo cãozinho, patas apoiadas nos varais, areja o focinho: ao trote ritmado do animal, que delícia de ventinho!

Na grade traseira, amarradas e projetadas para fora, rentes ao asfalto quente, dependuram-se duas cadeiras em fórmica amarela, com pés quebrados. Um passeio? Uma mudança? É o que menos importa. O detalhe que chama mesmo a atenção dos passantes  é outro: do interior  da carroça, um aparelho de som, em altíssimo volume, espalha aos quatros ventos “Love Hurts”, trazendo à tona nostálgicas lembranças dos anos setenta, no imortal sucesso de Nazareth.

Os passageiros nem desconfiam, seguem na sua simplicidade, mas Nazareth, seus metais e suas guitarras enfeitiçam, paralisam a avenida e seus transeuntes, num mágico poder capaz de sacudir o mundo. Indescritivel esse momento de rara  beleza, com força para hipnotizar o formigueiro apressado que sobe e desce a Avenida em frenesi de hora de almoço.

A rua parada, o povo parado, a vida estagnada. Eu também parei pra olhar, pra ouvir, pra sentir e acompanhar a charrete encantada e seus felizes viajantes, até que desparecessem lá pelos lados da Praça da Matriz. Pelo retrovisor do tempo uma estranha sensação tomou conta do meu peito. Fiquei ali por alguns instantes, com a exata impressão de que a carrocinha carregava em seu interior uma tonelada de saudade.  



 
*Love Hurts  - Nazareth

 https://www.youtube.com/watch?v=GRJaZdodEgI