Precisão é pra quem pode
Sentei-me:
- O que deseja, senhora?
- Uma coca-cola zero, por favor.
Se o pedido tivesse sido feito minutos antes, eu teria optado por um suco de laranja bem gelado. Minutos depois, uma caipirinha de kiwi e se eu tivesse vindo ontem, pediria uma água com gás.
Estou vestindo uma regata preta. Por pouco não saio de casa com uma camisa listrada ou um vestido florido, talvez.
Diria que escolho demais, mas isso é o que menos faço. O que faço em excesso mesmo é pensar e, além disso, viver na indecisão: passe-livre para uma vida instável. Se fosse só a minha indecisão estava de bom tamanho, nada fora do normal. O que acontece é que de um tempo pra cá, isto se tornou uma epidemia. Quisera eu que fosse exclusividade apenas dos librianos ou geminianos. Agora, além de contaminada, eu mergulho e me deixo levar pela indecisão do outro. Garanto, é um buraco sem saída. Tomar os problemas do outro é arriscado, mas tomar a indecisão do outro é prejuízo na certa. Enquanto os problemas podem e tendem à ser resolvidos, a indecisão é alimentada pela oscilação do que ora quer, ora não quer mais.
- Gelo e limão, senhora?
Mais uma longa pausa até eu me decidir, e mesmo assim:
- Sim. Na verdade, não. Gelo, sim. Limão, não. Obrigada.
Mexo na sacola em que carrego uma calça que vou trocar. Não porque ganhei e não serviu. Antes fosse. Eu mesma comprei. Comprei e mudei de ideia. Porque eu sou assim. Uma hora quero, outra quero mais ainda e instantes depois, não quero mais nada.
Aflige-me o fato de que a pergunta ‘’O que deseja, senhora?’’ torne-se, não apenas ‘’O que pretende, senhora?’’ e sim: ‘’O que pretendemos?’’
Nós. O que nós pretendemos?. E quando esse dia chegar, responderei tranquilamente:
''Eu não sei.'' E não sei também quando saberei. Tirem os prazos. Arranquem as placas de ‘’Não realizamos trocas aos sábados’’. Permitam-me mudar. Questionar. Querer mais de um. Não conseguir escolher o que fazer numa sexta-feira à noite. Permitam-me variar. Hesitar. Contrariar. Passar. Ficar. Permitam-me começar um texto criticando a indecisão e no final dele, a fazer necessária.
Permitam o meu tempo de decisão.
Permitam a minha imprevisão.
Permitam a minha imprecisão.
Permitam o meu não saber nunca de nada.
Permitam-me ser incerta até a chegada da única coisa que é certa nessa vida. E agora sim, quando esta hora chegar, eu posso ter a certeza de que o que eu gostava mesmo era de ser assim: lotada de incertezas.