Minha visão de um suicida
Reflexões recentes sobre um tema que nunca antes havia abordado chegaram a chocar-me pelo modo como eu mesma o vejo: o que faz a mente de um suicida levá-lo a cometer ato tão extremo?
A solidão, a depressão, problemas financeiros, a perda de entes queridos, todas estas situações críticas demandam, para que sejam resolvidas, contornadas ou superadas, uma grande, uma enorme dose de coragem e paciência, num caminho extremamente árduo e cansativo. São condições para serem contornadas com garra e fibra. O suicida, ao tentar enveredar pelo fim, toma o caminho mais curto e fácil. Ao contrário do que possa parecer, não é necessário coragem, mas covardia. Os problemas externos continuarão a existir, e provavelmente serão deslocados para outras pessoas; os internos serão resolvidos não com superação, mas com fuga.
O suicida é, nesse contexto, um grande covarde.
É uma característica do ser humano, essa de sentir-se só. Por mais que tenhamos companheiros e um círculo imenso de amizades ou parentescos, somos, no fim das contas, solitários. Porém estamos enredados de forma afetiva com muitas pessoas, sempre, mesmo que vivamos isolados, sem companhia, não tenhamos pais ou filhos e sejamos de poucos amigos.O suicida, de forma egoísta, nega esses laços. O suicida é um ser cruel que, ao tentar eliminar a própria solidão, cria vazios emocionais em muitas pessoas em torno de si. Quando possui familiares, torna-se ainda mais atroz. Como funcionam essa mente e essa alma que são capazes de ato tão brutal – marcar indelevelmente a vida de seus filhos ou inverter propositalmente a ordem natural da vida, privando pai e mãe de seu contato? Não imagina ele, por acaso, que perder um filho é, talvez, a maior perversão que a vida pode nos reservar? Não teria ele a capacidade de se colocar no lugar do outro?
O suicida é, então, um grande insensível.
E ao cometer o ato extremo de dar cabo da própria vida, o suicida quer, de fato, que todas as atenções se voltem para ele. Não satisfeito com suas obras, suas realizações ou seu trabalho em vida, quer que todos tomem ciência de sua presença, agora ausente, e que lamentem profundamente sua perda – sempre sob os holofotes. Quer coroar sua vida com um último ato grandioso, para que seja lembrado para todo o sempre...
O suicida é, assim, um grande exibido.
Fica difícil, para quem tenta agir desta forma, conceber a idéia de que a velhice, a doença, um acidente ou mesmo outro ser vivo possam vir a tirar-lhe a vida. O suicida, não raro, se mata aos poucos, fumando, bebendo, drogando-se, expondo-se a doenças – tudo porque se julga superior à vida e à morte e quer ter total controle sobre elas, pois não tem a humildade de admitir que é apenas um instrumento de um plano superior, que tem tarefas a cumprir e cruzes a carregar antes que chegue a hora de prestar contas de seus atos e fazer o balanço de tudo o que viveu.
O suicida é, portanto, um grande prepotente.
E as cartas suicidas... estas quase sempre possuem um teor maquiavélico. Julgam seus escritores que conseguirão culpar situações ou, pior, outras pessoas por seu ato insano. O que pode, em princípio, parecer efetivo, ao longo do tempo se mostra inócuo, pois cada qual tem sua vida para viver e suas próprias batalhas a travar – admitindo, obviamente, que os suicidas são uma ínfima minoria da população. Ninguém pode ser responsabilizado pelas falhas do outro, já que tudo está em nós: a expectativa que colocamos no outro como solução para nossos próprios problemas é a base da tristeza e da frustração.
O suicida é, desta forma, um grande patético.
Desafiar diariamente os inúmeros percalços, as dificuldades, os perigos, os dissabores, os desamores, as frustrações da vida, é tarefa para quem tem garra. Amar e respeitar o dom de viver é para quem tem sabedoria, não é apenas um instintivo ato animal. O desapego é fundamental, claro; também sou contra o prolongamento indefinido da vida, principalmente por meios artificiais, ainda mais quando se sabe que aquela vida nunca mais poderá ser produtiva ou independente. Porém, enquanto tivermos em nossas mãos os mecanismos para uma existência que pode, se quisermos, ser brilhante e plena de realização, e servir como exemplo de decência e luta para nossos descendentes, é o que devemos fazer.
Depressão tem cura. Solidão tem remédio. Perdas têm superação. Dívidas têm solução. E para o que não tiver jeito, há sempre a mansidão e paciência. Viver não é fácil, mas, definitivamente, é apenas para os corajosos.