Uma vila bem pequenina
E de repente você dobra uma, dobra duas esquinas e, quando vê, já está no século 17. Foi assim, por acaso, durante um dos meus passeios de bicicleta, que descobri o parque conhecido como Vilinha, no Bairro Alto, Curitiba. Ora, o parque da Vilinha é um parque histórico, um parque que fala dos primórdios de Curitiba, quando a cidade ainda era uma vila bem pequenina. Mas não se pense que, por conta disso, a Vilinha faz parte do roteiro turístico da cidade. A Linha Turismo não passa por lá e a única placa que sinaliza sobre a sua existência se encontra quase dentro dela, de modo que os únicos turistas que chegam até lá são os que se perderam nas ruas do bairro.
Pelo que entendi, a culpa por semelhante descaso é do cacique Tindiquera, não obstante exista uma estátua em sua homenagem no parque. Acontece que ali na região, às margens do Atuba, vivia um grupo de garimpeiros vindos de Paranaguá. Esse povo trazia consigo uma santa, mas uma santa tão temperamental que, a cada manhã, se virava na direção da atual Praça Tiradentes. Os garimpeiros interpretaram isso como um claro sinal de que ela não queria ficar no Bairro Alto, e foram consultar o cacique Tindiquera, que já vivia ali há muitos anos, para saber como chegar à Praça Tiradentes. O cacique respondeu que era só pegar o Hugo Lange ou o Bairro Alto-Santa Felicidade. Assim foi feito, e é por isso que o marco zero de Curitiba é a Praça Tiradentes, e não a Vilinha no Bairro Alto.
Os moradores da região, no entanto, não guardam nenhum ressentimento do cacique, tanto que, em outro ponto do bairro, erigiram mais uma estátua para ele, uma estátua que chega a lembrar a do Laçador, em Porto Alegre, mas não, é mesmo o cacique Tindiquera, e tamanha tem sido a convivência com ele que até os pronomes de tratamento já foram dispensados e, para todos os efeitos, a praça em que se encontra é apenas a “praça do índio”.
A estátua da Vilinha flagra o exato momento em que o cacique, de mão levantada, aponta para o ponto de ônibus mais próximo. Hoje ela parece apontar para algumas das casas mais pobres do Bairro Alto, que ficam justamente na rua em frente ao parque. Mas os tempos já são outros, já não se dá muita atenção ao que um índio tem a dizer, de modo que é pouco provável que os homens de Curitiba prestem atenção à sua recomendação.
O parque é acessado através de uma ponte sobre o que restou do Atuba e a primeira coisa que se vê é uma edificação em estilo colonial português onde se realizam oficinas culturais e pichações. À esquerda há um parquinho para as crianças e alguns instrumentos de tortura para os adultos que desejam evitar o sedentarismo. Há também uma pista para caminhada ao redor do parque e eu fiquei procurando uma placa que proibisse o uso de bicicletas. Como não encontrei, embrenhei-me mata dentro, embora estivesse atento para qualquer eventualidade, como a aparição de um pedestre ou o ataque de um índio tingui.
Mas completei a volta sem que surgisse alma viva ou penada, e também não vi ninguém nas duas quadras de esportes que lá existem, uma de concreto e a outra de areia. Dizem que no fim de semana é mais movimentado, que tem até escolinha de futebol por ali, o que não duvido. Naquele dia, no entanto, o parque estava quase vazio, e não deixei de notar a grande diferença de conservação entre ele e os bosques inaugurados há pouco em Pinhais, a cidade vizinha que, nas horas vagas, derrama esgoto no mesmo Atuba.
Ah, muita coisa deixou de acontecer desde que o centro das decisões municipais saiu do Bairro Alto. Suas ruas são asfaltadas, mas verdadeiros remendos, tão cheias de buracos como uma estrada de chão. Toda a esperança reside na eleição de um vereador do bairro – que é uma espécie de cacique, mas sem os seus dotes sobrenaturais.