O CÉU NÃO PODE ESPERAR

Foi numa segunda-feira. Devido ao natural aumento da população, com a chegada constante de mais e mais expatriados, o Criador concluiu que precisava de mais um líder no Céu. Uma espécie de braço direito que dividisse com Ele as múltiplas tarefas do reino celeste. Alguém capaz de cativar os semelhantes e apaziguar os espíritos mais rebeldes com a sua capacidade de aglutinação.

Os santos, cada um na sua especialidade, já andavam muito ocupados com a respectiva escala de trabalho. São Pedro não podia abandonar a porta do paraíso para não facilitar a entrada de penetras. São Cristóvão, com o aumento vertiginoso do número de motoqueiros sem juízo, já estava fazendo hora extra desde o século passado. Santo Antônio, então, não sabia fazer outra coisa senão levar as noivas ao altar. Por isso é que, naquela segunda-feira, o Criador chamou Seu primeiro-anjo e lhe disse:

- Desça e me traga com urgência a alma mais honesta do Brasil. A mais generosa.

Ao dizer isso o Pai Eterno já tinha em mente o nome de uma criatura que se achava detentora de tais qualidades aqui na Terra e, por isso, entendeu que essa seria uma ótima oportunidade para testá-la. E Ele poderia voltar a descansar todas as semanas, no sétimo dia.

O anjo, que também conhecia uma pessoa com todas essas virtudes – por acompanhá-la desde criança – não teve dúvida. Desceu na UTI do Hospital Mater Dei e levou meu primo Nélson, acabando com um sofrimento de vários meses.

Percebido o equívoco, quando os dois chegaram no Céu, O Criador não disse nada, reconhecendo que deveria ter sido mais claro nas Suas ordens. Empossou imediatamente meu primo no cargo de Controlador-Geral, passou-lhe o crachá com uma tarja magnética que abria todas as portas do paraíso, desejou-lhe boa sorte e foi cuidar de Seus afazeres.

Duas semanas depois, o próprio Criador se surpreendeu com o novo ambiente. Cada coisa no seu lugar. Paz e harmonia em cada canto. As vozes formavam um coro celestial. Nélson já havia cativado a simpatia de todos os desencarnados, feito uma cavalgada na trilha da aurora boreal e organizado o Primeiro Encontro das Almas em Cristo.

Curiosamente, cá em baixo, no mesmo dia, o candidato preterido inadvertidamente pelo anjo ainda pregava o seu sermão da montanha: “Só Jesus Cristo ganha de mim aqui no Brasil”. Pode ser. Mas a oportunidade para ele provar isso ficou para depois. Na minha ótica, o almirante Nélson derrotou Napoleão.

É claro que esta narrativa não serve de consolo para a família enlutada, que perdeu tão cedo o seu maior esteio, antes mesmo de conhecer a neta. Eu mesmo não teria votado nele, agora, para tão gloriosa missão. Mas não posso deixar de renovar minha fé naquele ditado: “Às vezes Deus escreve certo por linhas tortas.”

Se Ele estava precisando do homem lá em cima, quem sou eu para contestar?

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 17/09/2016
Reeditado em 17/09/2016
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