A DONA DO RELÓGIO
 
Ontem, quinta-feira, lá pelas onze e pouco da manhã, estava eu a caminhar em direção a estação Sé do metrô, lá pelo caminho da Praça João Mendes, e parei naquele farol de pedestres esquisito que a gente num sabe se deve atravessar ou não. Guio-me pela maioria; se todos vão, também vou.

Mas, enquanto o farol não permitia que eu atravessasse a rua, alguma coisa chamou a atenção da minha visão periférica do lado direito. Era uma moça que também aguardava para atravessar.No momento não entendi bem porque ela chamou minha atenção, afinal ando com a cabeça em outro lugar, na verdade, em outra pessoa. E continuou atraindo minha atenção até que nos separamos no metrô: ela dirigiu-se para a linha vermelha e eu para a azul. Minha atenção também se separou dela, voltando-se para sei lá para o quê, nem lembro mais.

E num é que hoje, lá por depois da hora do almoço, a hora do dia que mais rápido passa, lembrei-me da moça. E dentro de tal lembrança surgiu uma reflexão sobre o tempo que passa e eu que me atraso. Vou tentar explicar, tentando tentar descrever a moça em questão.

Um tanto mais baixa que eu, sim, baixinha, cabelos pretos lisos, na altura dos ombros, branca, talvez uns trinta e poucos anos. Vestida de um modo elegantemente simples: blusa sem mangas, com motivo de flores rosa, calça bege, sapatos comuns, bolsa bege, também comum. Pronto, está descrita a moça. Usava fones de ouvido e segurava o aparelho sonoro na mão direita; não parecia ser um celular porque estava dentro de sua mão fechada. Seu jeito de andar não tinha nada de especial.

Então porque raios essa moça chamou minha atenção e despertou, depois de um dia inteiro, tal reflexão?

Centro da cidade é repleto de gente apressada, prestes a perder a hora e tudo o mais particular que vem com isso. Uma loucura e, nessa loucura, aquela moça andava com uma serenidade na sua elegância de uma simplicidade quase pobre.


Ela aguardou o farol de pedestres abrir com uma calma que para muitos seria irritante, andou sem pressa e sem moleza rumo ao seu objetivo, segurando na mão direita o que imagino ser um mp3 player, desceu as escadas, encostou seu bilhete único no sensor da catraca do metrô, passou, desceu a escada rolante, sem qualquer traço de afobação e desapareceu rumo ao destino de sua vida.

Acho mesmo que o que me chamou a atenção para essa reflexão é que a moça parecia ter controle absoluto sobre o tempo que corria sem parar. Sem apertar o passo ou ficar ansiosa porque o farol num abre para ela passar. Sem olhar para o relógio; aliás, nem reparei se ela o tinha.

Enfim. Acho que é isso.

Acho que não consegui passar o queria e sinto-me na obrigação de pedir-lhe desculpas por perder seu tempo aqui nessa crônica da “dona do relógio”, que nem reparei se estava mesmo de relógio.


Minhas sinceras desculpas; espero que não tenha perdido tanto tempo assim...
Carlos H F Gomes
Enviado por Carlos H F Gomes em 16/09/2016
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