A TECNOLOGIA E A INTERATIVIDADE
A TECNOLOGIA E A INTERATIVIDADE
VERÃO DE 1988...
Embora chovendo, naquele sábado, no início do verão de 1988, fazia calor. Por volta de meio dia Gildo, estudante do quarto período de Direito, acabara de chegar no barzinho de sua preferência; o “Tabernas Bar”. Sentou-se e pediu uma cerveja. Não havia passado mais que cinco minutos, chegaram Cacá e Zé Paulo, seus amigos. Zé Paulo fazia o primeiro ano de Engenharia Civil e Cacá era também estudante de Direito, cursava o quinto período.
Os recém-chegados juntaram-se a Gildo. Sentaram-se e pediram dois copos. Ainda havia cerveja, já que Gildo sequer havia começado a beber.
Conversa vai, conversa vem, falavam de quase tudo; futebol, política, cinema e, claro, mulheres.
Em dado momento entrou no bar um policial que, reservadamente, falou em voz baixa com Dário, o proprietário do bar. Rolava na cidade um papo sobre o envolvimento de Dário em alguma coisa referente a receptação ou coisa parecida.
Como os amigos nada tinham a ver com aquela situação, pediram outra cerveja, um lombo acebolado e continuaram o papo.
Cacá, que não sabia ficar com a língua dentro da boca, sentenciou:
— Há algo de podre no reino da Dinamarca.
— Cervantes? Indagou Zé Paulo.
— Claro que não “seu” ignorante. É Shakespeare! Esclareceu Cacá.
— Shakespeare? Surpreendeu Zé Paulo.
— Isso mesmo ... do livro Otelo, o Mouro de Veneza! Arriscou Gildo.
— Outro ignorante ... isto é da peça de Hamlet! Corrigiu Cacá.
Zé Paulo ficou na sua, afinal, seu métier não era literatura. Era cálculos e fórmulas matemáticas.
Cacá e Gildo continuaram o debate, até que depois de quase uma hora e umas três cervejas, Gildo concordou com Cacá, após este lhe explicar que aquela frase, da peça/tragédia Hamlet, teria sido cunhada por Shakespeare para se referir a traições e homicídios que ocorriam na estória da tragédia.
O debate foi ferrenho (e proveitoso) e durou mais de duas horas (e muitas cervejas) até chegarem em um consenso.
Zé Paulo continuava calado, porém atento. Ouvindo e aprendendo.
Após solucionada a pendenga, voltaram a falar em futebol, política, cinema e ... mulheres.
Ali pelas sete da noite, pagaram a despesa e se despediram
VERÃO DE 2015
Era um sábado do início do verão de 2015. Por volta de meio dia três jovens estudantes entram no “Piratas Bar”, que era o point da juventude da cidade. Sentaram-se e pediram uma cerveja.
Após uns dois minutos, antes mesmo que chegasse a cerveja, sem qualquer motivo aparente, o mais novo dos três, que parecia ter uns dezesseis anos, pergunta:
— De quem mesmo é a frase “Há algo de podre no reino da Dinamarca?”
O outro jovem, saca do bolso o smartphone, digita alguma coisa e responde:
— É de Shakespeare!
A cerveja chegou, cada um sacou seu smartphone e, durante todo o tempo que ali ficaram, em torno de duas horas, não trocaram uma palavra, sequer se olhavam.
Daí, não há como tirar razão a Albert Einstein (não posso afirmar que seja o autor, li em algum lugar) quando afirmou:
“Eu temo o dia em que a tecnologia ultrapassar a interatividade humana. O mundo terá uma geração de idiotas”.