NÃO VOTEI EM...

ELA já me contou isto mais de uma vez. Assunto que corre gerações. Era um tempo antigo, final dos anos 70, familiares numa casa carioca de quatro pessoas, faz muitos anos, desiludidos e pensando em quem não votar. Tempo ainda de escrever os nomes dos candidatos num papelzinho e colocar na urna de brim (marrom ou verde escuro? - não azul clara como as minhas jeans repetidas) – reuniram-se dias antes, conspiraram, riram muito e resolveram assim: nomes de jóqueis famosos junto a respectivos cavalos de corrida; personagens da telenovela do momento e autor/autora do texto; jogadores de futebol e times; romances da literatura brasileira e... JOSÉ DE ALENCAR, menos psicológico e mais versátil que o carioca do Cosme Velho.........

Assim, ELA não me disse em quem votaria, mas lamentou dizer que agora “não votarei mais”......... Parodiei MACHADO DE ASSIS: “candidato-defunto ou defunto-fantasma distribuindo-reencaminhando votos”.

Voto de cabresto rompe décadas. Estória de quase quarenta anos passados, repetida na mesma localidade em 2014. Cidade do sertão nordestino onde sempre se revezaram cordialmente dois “coronéis”, ora um ora outro no comando. Imitação da política nacional do “café-com-leite”? Sim, nunca um terceiro. Bom, no Brasil a quebra do ‘status quo’, estabelecido, foram o chimarrão e o churrasco surgindo de repente em 1930. Morreu um deles, idoso, e os descendentes do primeiro continuaram seguindo a tradição da falsa inimizade. Casavam sem briga e sem bronca entre os clãs, pode? O segundo estava também mais pra lá do que pra cá e filhos/netos mandavam e desmandavam, sempre em acordo nada disfarçado com os inimigos de fachada. Fingimento só no comércio pois eram duas farmácias, duas barbearias, dois botequins ‘melhorados’ com mesas e cadeiras... freguesia dividida. Um fulano qualquer, proprietário de um grande sítio produtivo, tirou a manhã de domingo para pestanejar na rede da varanda (dizem “Ele está silipando”, derivação popular do verbo ‘to sleep’, dormir...) – a mulher o acordou trêmula e avisou que um Fulano e outro Fulano (deu apenas os sobrenomes importantes) queriam falar com ele. Medrou, mas a peixeira e o bacamarte estavam no interior da casa e os dois homens sorrindo a centímetros dele. “Parabéns, senhor Prefeito!” – falaram juntinhos, em coro, mão esticada para a frente. Pelo sim pelo não, nervoso quanto à prioridade, apertou a mão de ambos. Trêmulo. Pediram uma pinga, um queijo-de-coalho picadinho, trouxeram três charutos, sorrisos contagiantes para ele e a mulher. Aí, expuseram o assunto. Povo já devia estar cansado com os dois sobrenomes, opção melhor seria escolher um cidadão neutro para elegerem Prefeito. Como assim? Contratariam um nome insignificante para “concorrer” e perder feio, apenas ainda não estava resolvido se 95% ou 75%, porque 51(%) era nome de bebida... Descontração e gargalhadas. Ensinaram como falar nas reuniões internas do partido, nos palanques na pracinha e o que dizer na feira de rua aos sábados. Eleitíssimo!!! Isto, uma mulher curiosa e observadora viajou do Rio de Janeiro a passeio, ouviu ‘in loco’, chegou no dia exato da morte do segundo “coronel”, conheceu todo mundo... Passaram-se estes anos todos e contaram por e-mail a “esta ELA mais antiga” que nada mudou – com grande antecedência, todos já conhecem eleitos e perdedores.

NOTA DO AUTOR:

Não é lenda. Os grupos de cangaceiros corriam o sertão e mandavam um representante pedir aos sitiantes alguma “oferta” - bodes, grãos, sal, açúcar, sabão... Impossível negar. E que ninguém entrasse no mato durante dias. O dono do sítio era depois presenteado pelo chefão (nunca visto!) com um bacamarte roubado dos “amarelos” (polícia da época) e instruções de como ‘azeitar’ a arma para durar a vida inteira sem enferrujar......... Objeto histórico passado de um a outro, em família.

F I M