Carta à morte
Não venha hoje, não para mim. Espere que venha a alegria, a satisfação, a conquista, o amor, a realização, o cansaço e a espera. Então, venha.
Venha como eu sempre imaginei que você viria, mas não venha tão cedo que eu perca o melhor da festa, nem tão tarde que eu me canse dela. Por favor, ignore meus estúpidos pedidos, são palavras de jovem que não viveu o bastante para saber que tudo passa, até que você venha.
Não veja meus dias na cama como um convite, a morbidez faz parte da minha espécie. Soube de muitos que pediram sua visita, que esperaram sua presença, como quem espera um amigo, e você negou. Covarde, você não atendeu seus chamados. Soube de outros que você abraçou como um amante infiel, impiedosa.
Confesso, desejei-te. Não deveria, não poderia, mas é a verdade. Quantas vezes você não seria o atalho, quantas vezes esqueci que o prazer da existência não está no fim, e sim no caminho. Quem sou eu senão também uma covarde que lhe agradece por termos o mesmo defeito.
Não venha tão cedo, minha amiga.