ACONTECIMENTOS DE QUARTEL... (Preparando para a guerra).

ACONTECIMENTOS DE QUARTEL

(Preparando para GUERRA)

AUTOR - SMELLO = Alberto Frederico.

Ao pedir baixa na Escola Naval, Rômulo notara que a vida militar era

incompatével com sua personalidade.Verificou inúmeros constrangimen-

tos injustificáveis, que serviam como adestramento e manutenção da

rigorosa disciplina.Os chamados trotes aplicados pelos veteranos eram,

antes de qualquer razão, humilhantes e os oficiais assistiam impassí-

veis, sem nenhuma interferência, sob o pretexto de terem passado por

idênticas situações.

A admoestação tinha que ser ouvida em silêncio, sem direito de res-

posta ou explicação, e pior em posição de "sentido". Mesmo o insulto injurioso não podia ser contestado, enfim o tratamento impressionava o

jovem "aspirante".

O Brasil declarando guerra ao "eixo", Alemanha, Itália e Japão, Rômu-

lo reverteria à Marinha como 3° Sargento, apesar de não ter prestado

juramento à bandeira. Estava cursando o complementar de engenharia

e fizera concurso para admissão à Escola Naval, daí a razão do subal-

terno posto que serveria.Não se conformou em ter de prestar serviço à

pátria numa posição subserviente ao seu preparo.

Havia trote esperituoso,em que o calouro não ficava sob humilhação,

propiciava gracejo, mas a grande maioria, independente da violência, oroginava-se da má indole de veteranos sarcásticos, que se sentiam temidos e realizados.

A título de ilustração, recordemos os mais chistosos, que não feriam

a dignidade do novato, actados sem revolta, geralmente participavam da brincadeira. À mesa de refeição sentavam seis veteranos e quatro

calouros. Esses teriam de comer em ângulo reto, se errassem ou per-

dessem a coordenação motora recebiam garfada de comida no rosto,

fatal porque sujava o fardamento, que os obrigavam a correrem até

o camarote e trocá-lo. Outro o da sobremesa, nem sempre apreciada, o aspirante chefe da mesa perguntava: - você gosta de doce de bata-

ta roxa ? O calouro fica indeciso, não sabia o que responder, se sim, tinha de comer a compoteira toda, se não tambem a ele era destinada

a vasilha da compota.E,quando tivesse aquele doce em outro ocasião,

à iguaria caberia a ele comer, procedimento que o obrigava a não se a-

limentar, pois enfrenataria a doceira. O taifeiro que servia as refeições

costumava avisar antecipadamente. Mas, o pior mesmo se chamava coquetel "Molotof"(nome surgido na Russia em homenagem ao seu man-

datário), consistia na mistura em copo grande de groselha,refresco co-

mumente servido, de tudo que tinha sobre a mesa, feijão, arroz, enso-

pado, caldo de carne, cenoura, molho de tomate, salada, parte da so-

bremesa, regado com azeite, vinagre e pimenta. Tudo aquilo,misturado

com a colher, o calouro tinha de sorver num gole só, quando chegava

no estômago ecoava como uma bomba, daí o nome.

Pitoresco, consistia em saber a dimensão do pátio da Escola,contado

em palitos de fósforos, além da dor que dava nas pernas,quando o alu-

no calouro chegava a um valor expressivo, (um milhão, setecentos e -

vinte,por exemplo),o veterano perguntava quanto tem até aqui? O po- bre calouro informava e ele dizia está errado, tem menos, começa tudo

de novo. Dois tenebrosos trotes procediam na piscina, o chamado "cal-

do", de triste memória, pois geralmente o calouro saia de lá direto para

a enfermaria;e o "chicotinho queimado",que tinha como palco a chama-

da "praça dos canhões", local ermo, pouco frequentado pelos oficiais.

Resumia-se em uma roda de calouros, principalmente aqueles recalci-

trantes, que não atendiam as recomendações dos veteranos, chinela-

das nas nádegas. Tinham sorte os que se livravam, o que não era fácil.

Os chinelos que todos usavam de solado de cordas trançadas, molha-

vam. Geralmente essa brincadeira impedia durante largo tempo de sen-

tarem-se.

O mais divertido e original foi a comemoração da Lei do Ventre Livre",

embora vexatório.Os veteranos recomendaram aos calouros que trou-

xessem no domingo a noite uma garrafinha de laxativo. Conferiram, aos

que deixaram de atendê-los reservaram idêntico purgante e foram após

parar na "praça dos canhões". Formaram os pelotões no pátio, fizeram

uma apologia à lei, e disseram que iam comemorá-la. Seguiu-se a ordem, todos tomariam de um gole só! Na parte térrea da escola ha-

viam cinquenta sanitários, afora os de outras dependências e nos cha-

mados camarotes. Fecharam quase todos, deixaram apenas cinco abertos para serem usados pelos 65 calouros, foi um sufoco total e

grande trabalho, no dia seguinte ao alvorecer para os taifeiros e mari-

nheiros.

Somente os veteranos podiam jogar sinuca ou bilhar, os calouros es-

tavam proibidos de frequentar o salão, nem deveriam permanecer nas

imediações, sob pena de sofrerem as consequências dessa temeridade.

Se alí encontrado,o veterano obrigava a entrar no local em que fica-

vam as mesas, e o calouro teria de ir apanhar a bola preta e trazer a

ele.A ação resultava numa saraivada de tacos dos que estavam jogan-

do, resultando em graves ferimentos e ainda como castigo,à noite dire-

to para praça dos canhões.

Todas essas atitudes insólitas motivaram Rômulo encerrar a carreira

que começara na Escola Naval.

EVITANDO SERVIR COMO 3º SARGENTO NA MARINHA.

Com o advento da aproximação da guerra no Brasil,a convocação se-

ria inevitável, o que obrigou Rômulo a canditar-se, atravé de prova de

seleção, a uma vaga no Curso de Preparação de Oficiais da Reserva,

(CPOR), do Exército.

Independentemente dos exercícios físicos. adestramentos, maneabi-

lidades, convivências com as armas em uso (desmontagem, montagem,

limpeza para permanente inspeções, aprendizagem de tiros, etc), mar-

chas, manobras em diferentes terrenos, práticas e desempenho de co-

mandos, topografia de várias áreas, inclusive com uso de pranchetas, constituiam-se na rotina diárias do quartel.

OS QUASE FATÍDICOS ACONTECIMENTOS.

Cabiam aos alunos os serviços devigilância do quartel, guarda de alo-

jamentos e materiais, sentinelas, funções de sargentos e cabos, sob a supervisão de um oficial, denominado "de dia", Tais tarefas traziam dificuldades para muitos, estudantes de cursos superiores, acarretando

permutas generalizadas, motivando alterações nas escalas de serviços.

Um fato que foi marcante ocorreu por ter Rômulo sido escalado para

o domingo de carnaval. Logo ele que gostava tanto dos folguedos de Momo, inveterado carnavalesco,não conseguiu permutar com outro co-

lega para ir ao baile do clube, teria mesmo de "tirar o serviço", expres-

são comumente usada. Rômulo antecipou duas escalas para tarde, sob

forte sol, e só voltaria a aquela funçãode sentinela às 4 horas da ma-

drugada, com a anuência do sargento de dia.

Levou para dentro do quartel uma fantasia de marinheiro, adaptação

feita em um uniforme usado na Escola Naval.Trocou a roupa sorrateira-

mente no alojamento e saiu às ocultas cerca de 20 horas, sem maiores

problemas. À volta, entretanto, foi tenebrosa, a escuridão reinante, em

razão do estado de guerra, decorrente da espreita de submarinos no li-

toral brasileiro, obrigava a permanência de "blck-out", ensejando ao sentinela não permitir sua entrada,não o reconhecendo à distância.Ven

do aquele "marinheiro",deu o grito natural de alerta:-AUTO LÁ, SE CON-

TINUAR A AVANÇAR - VOU ATIRAR! Por mais que gritasse sou eu,Rômu-

lo, não adiantara. VOU ATIRAR! Aos berros outro aluno de plantão cha-

mou o cabo da guarda e este o sargento, que identificando por ser sa-

bedor, transmitiu, é o "maluco" do Rômulo. Autorizo a aproximar-se e entrar. Houve quese uma tragédia, faltou pouco para Rômulo ser ba-

leado. Passara por um sufoco, brincando poucas horas no carnaval.

As manobras militares ficaram mais arrohadas, visando aprimoramen-

to de incorporação à FEB (Força Expedicionária Brasileira), entre elas

consistiam em treinamentos nos lamaçais e mangues, isso era determi-

do pelo degelo existente na Itália.Nesses lugares imperavam carangue-

jos e plantas próprias do lodo. Aquilo se constituia em grande martírio,

porque sujava todo fardamento, inclusive o armamento e as ferramen-

tas de sapa usadas,o que obrigava a grande esforço de estarem limpos

para inspeção no dia seguinte.

Inobstante aquele trágico acaso, uma singularidade sempre provinha

do n° 13, o Albino, o estudante de medicina, nunca sujava o uniforme, nem os apetrechos que obrigatoriamente conduzia.Ao toque da corne-

ta determinando reunir, lá vinha ele fagueiro e limpo para a formatura.

Sua estratégia consistia em entrar no primeiro humilde casebre que en-

contrava, simulando estar machucado,ou subir num isolado pé de árvo-

re,alí ficava aguardando o final da manobra,sem dela participar de qual-

quer evento. Nunca ninguém descobriu, somente a admiração é que causava espanto.Passou incólome durante todo o tempo dos exercíci-

os.

Havia, como sempre há, um protegido do Governador, que exercia al-

to cargo na administração pública. Ele não ficava no alojamento geral, destinado a todos os alunos, tinha uma dependência reservada e nela mantinha os fardamentos e as armas usadas, e um cabo providenciava

a limpeza geral de tudo. O comandante não se manifestava sobre o pri-

vilégio, conservava-se em silêncio. Aquilo causava constrangimento aos demais alunos e certa curiosidade, haviam até comentários desai-rosos. Belo dia,nunca se soube a origem,conseguiram jogar entre o te-

to do reservado e o vão que rodeava a parede, grande quantidade de

excremento de cavalo recolhido das baias. Houve uma turbulência to-

tal, o capitão colocou a companhia em forma, tentando descobrir o au-

tor da brincadeira, sem êxito, muito embora maldosamente atribuissem

ao 13, o Albino, que estava inocente, sem ter participado da iniciativa,

por estar de serviço, plantão no alojamento.Daquela data em diante o protegido se transferiu para o alojamento comum.

A MARCHA FORÇADA DE 48 Km.

A tropa estava fisicamente bem preparada, inclusive com fardamento

usado pela Força Expedicionária Brasileira - FEB, era o primeiro indício

que havia o propósito de constituir-se uma reserva para numa eventu-

alidade seguir com destino ao front na Itália.A extensão de 48 quilôme-

tros, entre ida e volta, significava dizer e demonstrar que a corporação

tinha condições de suportar qualquer esforço físico.Totalmente equipa-

da com armamento de combate,alimentação,água nos cantís,ferramen-

tas usadas na guerra, ambulâncias com respectivos médicos e enfer-

meiros, a tropa ocupava as duas margens das ruas e estradas. Não era

uma marcha forçada, seguiam em passos normais durante três horas,

quando o comandante geral ordenava o "alto"(breve parada de descan-

so), após 20 minutos prosseguiam seguindo o destino.

Rômulo estava no 1° pelotão,junto aos demais alunos,havia feito du-

rante muitos dias os preparativos para suportar a distência prevista.

Recomendaram-lhe, porém, que adquirisse um borzeguim de pelica, por

ser mais macio e usasse duas meias,entre elas colocasse bastante tal-

co. Alguns, por orientações foram sem cuecas, outros vestiram ceroulas. A Rômulo aconselharam também passar ungüento cicatrizante

nas virílhas. Todas essas inovações causaram verdadeiros dramas, ser-

viram apenas para martirizar os corpos, criar graves ferimentos, dificul-

tando a marcha normal. Os médicos e enfermeiros não conseguiam aliviar os sofrimentos. A constituição física nada sofrera,sentiam vigor

corpóreo, capaz de suportar bem a jornada. Apenas aquele aluno que

ocupava uma dependência isolada no quartel, depois de percorrer uns

dez quilometros, sorrateiramente caiu, fazendo-se de extenuado,sendo

conduzido à abulância,lá permaneceu por quase toda a metade da mar-

cha, Sofreu hostilidade de toda tropa, que por ele passava, quando es-

tava caido no chão. Aladeavam joga água nele que fica em pé. Tornou-se grande político, deputado estadual,federal e senador da Re-

pública.

Rômulo fez quase toda caminhada. Já na volta, no último "alto" foi a-

visado pelo sargento que alí seria a última chamada, nem ao chegarem

ao quartel haveria outra.Seu pés, em razão das duas meias e do talco,

estavam em "carne viva",apresentavam bolhas sangrentas.Resolveu dar

o "golpe" também, conseguiu um taxi, difícil em face do racionamento de combustível, entre nele com tudo,armamento, ferramenta etc.,abai-

xou-se para não ser visto e pediu ao motorsita para levá-lo em casa,

dentro do carro foi se despindo.

Já em casa, gritou chamando a criada, Benedita, para que trouxesse um ropão e chinelo, retirando o fardamento e demais pertences despi-

dos no interior do veículo.

Feito isso,ao descer, o motorista perguntou e agora o que vou fazer

com o armamento, mochila e tudo mais, Rômulo lhe respondeu,aguarde

um pouco vou tentar me comunicar com o cabo armeiro do quartel. Conseguindo, solicitou ao motorista que levasse até lá, que ele recebe-

ria. Foi assim que se livrou do final da célebre marcha de 48 Km.

O EXAME FINAL NO CAMPO

Nessa fase os alunos teriam de aplicar todos os ensinamentos adqui-

ridos para comandar um pelotão. À frente desse, integrados momenta-

neamente, como comandantes e nas diferentes situações de formação

da tropa,de acordo com a posição de um simulado inimigo.Quando che-

gou a vez de Rômulo comandar ele se confudiu no que fora proposto

pelos examinadores, deu a voz de comando errado, motivando severas

críticas dos oficiais avaliadores, sendo substituido por outro colega.Es-

tava o pelotão na situação da chamada "tomada de contato"com o su-

posto inimigo e Rômulo ordenou atacar e prepararem para o assaldo,

operação final do combate.

Custou caro aquele erro, Rômulo teve de voltar ao estudo coletivo em sala de aula com outros alunos tambem inabilitados.

COMPETIÇÕES ESPORTIVAS

Nas porfias físicas as rivalidades entre as companhia eram grandes. mormente porque muitos atletas de diferente clubes estavam fazendo

o Curso. Rômulo como praticante de basquetebol, integrante de equi-

pe de clubes da cidade, pertencia ao time da 1ª Cia., considerada a mais forte que as demais, completada ainda por outros valorosos atle-

tas efetivos de agremiações locais.Era, entretanto, o mais visado pe-

las equipes adversárias, por ser o capitão do time. Partia dele o prepa-

ro e a distribuição das jogadas, daí sofrer severa marcação, derivando

violência e consecutivas faltas. Num determinado jogo com a 4ª Cia.,

rival em tudo pelo espirito criado por seu comandante, Cap. Madruga,

foi logo eliminado com 4 faltas provocativas e consecutivas. O desfal-

que causou a derrota da 1ª Cia.,fato inesperado e tédio no celebre ca-

pitão namorador.

OS PREPARATIVOS E CONVOCAÇÕES

Os preparativos para conclusão do curso foram intensos e alguns

foram logo integrar a F.E.B., com estágios no 1º RI e no Regimento de

Caçapava, em São Paulo. A este respeito, deve se ressaltar que o 2°

Tenente José Jerônimo de Mesquita foi o primeiro oficial brasileiro a

morrer em combaye na Itália.

Concluido o Curso foram logo convocados como aspirantes, três me-

ses depois passados a 2° Tenentes, e mandado servir em diferentes unidades do Exército, regimentos, batalhões,sediados no interior,quase

sempre localizados nas capitais.

Neófitos, sem vivência da caserna, cometeram inúmeros enganos, só

corrigidos após a maturidade.

Rômulo foi para a companhia de serviços gerais, onde permaneciam os insubmissos,cidadãos geralmente do interior,que não prestaram ser-

viço militar na épocas próprias e aguardavam julgamentos pelos com-

petentes tribunais militares, bem como desertores, indisciplinados e re-

volucionários. A esses elementos cabia a limpeza das diferentes áreas

do quartel. Eram pessoas simples, ingênuas e humildes. A chamada 5ª

Cia. estava sob o comando de um ex-colega do coronel Comandante do Regimento, que fora reintegrado às fileiras do Exército, muito depois

de ser oficial da ativa, decorrente da participação de um levante quan-

do capitão. Muito gordo,por ter deixado de fazer exercícios,sem farda-

mento ainda, permanecia trancado no alojamento dos sargentos, sem

prestar qualquer atividade e tinha o apelido de "seu Jayme". Ninguém o

conhecia ou avistava. Um belo dia ele entrou no alojamento dos ofici-

ais subalternos, aspirantes e tenentes, que o confundiram com um da-

queles insubmissos, e expulsaram dalí, sob o pretexto que somente ofi-

ciais poderiam permanecer. Calmamente, "seu Jayme", apresentou-se,

mas eu sou o comandante da companhia e vim recomendar aos senho-

res que fiquem no alojamento quando não tiverem atividades no quar-

tel, evitando deslocamentos como se estivessem passeando. Essa me-

dida lhe poupava de receber observações do tenente-coronel, coman-

dante do batalão.

Um episódio hilariante que ocorreu com Rômulo foi quando ingênuo insubmisso lhe pediu um cigarro, ele nem sabia o que era oficial, muito

menos 2° Tenente, que lhe informou não fumo e nem tenho cigarro, a-

crescentandoquem distribui aqui no quartel é aquele que vem descendo

a ladeira, o coronel comandante do Regimento.O pacato e inocente ho-

mem, magro, alto, dirigiu-se ao oficial e fez o mesmo pedido. Surpreso,

o coronel que vinha fumando, advertiu ao pedinte: "eu sou seu superior

não dou cigarro nenhum". Ato contínuo o pobre homem tirou de traz da

orelha uma "binga", que encontrara no pátio, replicou, então me dá fo-

go! Nada aconteceu, ficou o dito por não dito, o Comandante viu que se tratava de inocente cidadão.

Os exercícios de equitação levados a efeitos no picadeiro apropriado,

se constituia num verdadeiro martírio para Rômulo, que nunca montara

cavalo.O instrutor daquela prática militar chamava-se Capitão Viramun-

do, se apelido ou não, ninguém sabia,mas como lhe tratavam. Exigente

e insensível, dava as ordens e não poupava qualquer cavaleiro. Por má

sorte, coube a Rômulo o cavalo mais arisco da coporação, um alazão

robusto e muito alto. O soldado tratador do cavalão avisou de sua des-

treza e do perigo se não o dominasse desde logo, impondo a vontade

do de quem montava. Um colega acostumado à montaria no interior,

voluntariamente, propôs permutar o animal a ele destinado, pois este

sabia executar todos exercícios, com o alazão afamado.Assim procede-

ram, Rômulo ficaria com o baio e calmamente poderia participar das au-

las de equitação, "guiado pelo animal". Mas,vez por outra o Capitão Vi-

ramundo gritava: Rômulo, Rômulo, tira a mão do "sipilho" (parte na frente da sela, comumente conhecida como Sto. Antônio), pouco adi-

antava a advertência, bastava sentir que cairia segurava-se no Santo Antônio. Belo dia, o cavalo manso, adestrado, resolveu não deixar ser

montado.Mal Rômulo segurou as rédeas começou a corcovear e escoicear,Viramundo logo alertou,monta Rômulo,monta Rômulo.Ele res-

pondeu não posso montar, o cavalo hoje está indomável. Comentava-

se que os soldados costumavam colocar em baixo do arreio "pó de mi-

co" ou pequena pedra para verem os oficiais padecerem na montaria.

O Cap. Viramundo deixou seu cavalo e veio direto ao indócil anima,

segurou as rédeas,colocou o pé no estribo e não conseguiu passar a outra perna sobre o dorso do quadrúpede, que se arrancou direto para

a baia, puxando e arrastando o oficial cerca 400 metros.

Um grupo foi visitá-lo no Hospital Central do Exército, HCE, quebrra

uma perna,um braço e estava com várias escoriações pelo corpo e ros-

to. Rômulo com irreverência falou, eu não disse capitão que o baio não

estava para montaria naquele dia. Isso aconteceria comigo se eu ten-

tasse montá-lo. Substituiu o capitão o 1° Ten. Amaurí, que logo depois

foi para a FEB. Viramundo passou mais de 7O dias no hospital se recu-

perando, parcialmente.

Atendendo recomendação regimental, logo que se apresenta na uni-

dade o tenente é escalado para oficial de dia,e Rômulo não foi poupado

deu no boletim o plantão, 4ª feira, dia de meio expediente. O quartel fi-

ca todo sob o comando desse oficial. Por ser 4ª feira, fica reduzido a

1/3 de soldados, porém a responsabilidade e normal e total. Na hora do

rancho, a amostra da alimentação é apresentada ao oficial de dia, que

prova e, verificando estar em condições de ser servida,manda o corne-

teiro tocar "rancho" e dirige-se para frente do refeitório.No local, estão

formadas todas as companhia e, alternadamente, ordena a entrada dos

pelotões. Naquele dia ocorreu um desastre, além da vozearia incomum,

com quebra da disciplina, os praças largavam os pratos de comidas cheios ou entornavam nas mesas. Rômulo não sabia como proceder, se

ordenava "sentido", chamar os sargentos e anotar os praças que assim

estavam procedendo,convocar o corneteiro e mandar tocar "debandar",

até que alguns amigos de praia e clube,inclusive sargentos e cabos,to-

dos convocados, da impropriedade da alimentação servida,deteriorada,

cheia de carunchos e outros insetos,fatos que aliás vinham acontecen-

há algum tempo, mas piorara muitíssimo naquele dia.

Rômulo verificou a comida e constatou a veracidade. Recorreu então

ao Regulamento Interno dos Serviços Gerais, (RISG), que lhe dava au-

toridade, como oficial de dia, suspender o rancho e mandar "pagar" ou-

tro, assim o fez. Determinou ao "sargentoiante",que retirasse duas pro-

vas, em pratos separados, dos alimentos rejeitados e requisitou do al-

moxarifado (intendência) outros mantimentos em boas condições de

serem cozidos, paralelamente, deu ordem ao corneteiro para tocar de-

mandar a tropa, convocando os sargentos e cabos para que mantives-

sem os soldados nas imediações do refeitório,aguardando novo rancho,

que,infelizmente só saiu às 15,30 hs.Não foi fácil porque aquela depen-

cia estava fechada e o tenente intendente ausente. Rômulo mandou

que fosse aberto à força o depósito, fez um termo do que retirara e la-

crou a porta arrombada. Cabe uma observação o 2° Ten.Rômulo tinha

apenas 19 anos!

Uma hora e meia depois chegava o tenente-coronel, aprovisionador,

que mandou tocar reunir e convocou Rômulo ao seu gabinete. Viu a amostra da comida imprópria, dteriorada e comeu o prato todo, como

estava e aos berros gritava para o tenente: - É o mau,termos no quar-

tel oficiais da reserva que não estão acostumados à caserna, filhinhos

de mamães, sem preparo do serviço militar. O Senhor, amanhã, após

passar o serviço,se apresente ao estado-maior, afim de cumprir 10 dias

de prisão disciplinar e pagará o custo da comida e os reparos no almo-

xarifado pelos prejuizos causados à fazenda nacional. Aquele sub-comandante era conhecido na corporação como inveterado jogador do

cassino da cidade.

E´a única punição que Rômulo teve na vida.

O PELOTÃO DE RECONHECIMENTO E BALIZAMENTO.

Todo o Regimento se submeteu a uma extensa marcha e coube ao 2° Ten.Rômulo comandar o pelotão de reconhecimentos e balizamento.

Esse pelotão precede a tropa e parte uma hora antes dela. A cavalo, acompanhado de quatro sargentos e outros tantos cabos seguem 40 soldados, que demarcam e verificam o terreno em que passará o con-

tingente. Rômolo informara a seus pais e a noiva as imediações em que

marcharia. Cerca de 2 Km. ficava uma praça onde eles aguardavam. O

tenente deu um "alto" no pelotão, passou o comando ao sargento mais

antigo e desviou-se com outro até aquele lugar, onde encontrou os membros da família. Desceu do cavalo, beijou e cumprimentou todos, conversou, saboreou o sanduiche que trouxeram e retornou ao coman-

do do pelotão. Se perguntado sobre esse procedimento já estava com

a resposta na "ponta da lingua",fora verificar o local de grande aglome-

ração pública.

A tropa chegou ao destino num lugar denominado "Campo de Maria

Paula, foi alimentadae duas horas depois retornaram, sendo que o pe-

lotão de reconhecimento se antecipou em uma hora. Uma situação inu-

sitrada ocorrera, o coronel comandante retirou a montaria dos oficiais, sob o pretexto que estavam em treinamento para guerra. O tenente gozava de grande simpatia entre os subalternos, decorrente de sua conduta recolhendo o rancho e mandando preparar outro em substitui-

ção. Passou pela poeirenta estrada um "Jeepão",conduzido por um sar-

gento acompanhado de dois soldados. Pararam e perguntaram ao te-

nente, vamos embora voltar ao acampamento, ele respondeu ser im-

possível por estar comandando o pelotão. O sargento sugeriu, deixa o

comando com o sargento Xavier e venha no jeep. Aquiesceu, chegou ao acampamento cerca das cinco horas da tarde. Banhou-se, trocou

o fardamento suado e foi até o rancho dos oficiais. O cozinheiro prepa-rou um suculento bife com legumes,jantou e retornou à barraca,alí fi-

cou lendo até adormecer. A tropa só à uma hora da manhã, de baixo de um temporal que alagou o acampamento, é que chegou. Os demais

oficiais, vendo Rômulo "fagueiro", enxuto, sem a farda molhada,pergun-

taram se ele não pegara a chuva. Na "santa inocência" contou em detalhes as peripécias cometidas. Deixaram passar por instantes e mandaram um cabo ir à barraca convocá-lo por ordem do coronel, que

queria ter uma conversa com ele. Ficou preocupado e pensativo qual a

explicação que a ele daria. Fardou-se, calçou seu borzeguim, pôs a co-

bertura e rumou ao QG do regimento. Molhou-se todo, ficou encharca-

do d'água, surpreendeu-se com a negativa do ajudante de ordens, que

o comandante não queria nada, nem o convocara.

OS TIROS SOBRE TROPA AMIGA E COM O MORTEIRO.

Dias depois, com a presença do Ministro da Guerra, no acampamento

de Laranjal, houve intenso treinamento demonstrativo das aptidões do

regimento. Ao tenente Rômulo coube outra vez uma missão espinhosa,

comandar o pelotão progredindo sob fogo amigo. Simulando um avanço,

outro pelotão atirava com projétil real sobre o pelotão que rastejando

avançava em direção ao inimigo.O limite era demarcado até onde o pe-

lotão poderia rastejar e a sensação mexia com os nervos de qualquer

um, pois ouvia-se perfeitamente o sibilo das balas passando. Ao atin-

gir determinado ponto, 30 metros aquem do limite demarcado,o Tenen-

te Rômulo, á frente de sua tropa deu a voz de cessar a progressão, os

sargentos denotaram, falta muito para o limite, veja tenente que os projéteis estão batendo muito além do ponto marcado, vamos conti-

nuar. De longe vinha a ordem pelo megafone, prossiguam, Rômulo não

permitiu, vamos permanecer aqui é mais garantido.

Outro exercício se deu com o morteiro Brant, que pela primeira vez

seria usado pelo exército brasileiro. A espectativa era muito grande, no

palanque o General Ministro da Guerra assistia. A arma se destinava

mais a combater tanques de guerra. A guarnição tinha sido escolhido a

dedo, os melhores oficiais subalternos participariam, todos da reserva e

a maioria estudantes de engenharia e professores de matemática.

Construiram a cerca de 2 Km um barracão, como se fosse um tanque.

Os abacos vistos e revistos várias vezes pelos estudantes e professo-

res, acompanhados de oficiais superiores,já que a trajetória do mortei-

ro descreveria uma elipse. No momento chovia intensamente, o Ministro

com a sua pelerine estava bem abrigado da intempere,mesmo assim pensaram em adiar, revisaram pela última vez os cálculos, o artilheiro

recebeu a ordem de atirar, colocou o torpedo na boca do morteiro, ele subiu vertical ao plano do chão, em segundo sumiu, ouviu-se aquela voz: vai cair aqui mesmo. Jogaram o Ministro no barro, o mesmo fize-

os demais que estavam próximos, e morteiro atingiu certinho o alvo.

Tal morteiro tornou-se logo obsoleto com a chegada da famosa "bazu-

ca",mais fácil de acertar o alvo,sem a necessidade de tantos cálculos.

A GUERRA ESTAVA PARA TERMINAR

Os soldados e oficiais da reserva convocados acompanhavam os a-

contecimentos na Europa e parcialmente na Asia com inusitado interes-

se, todos desejosos que fossem desligados das unidade que serviam,al-mejavam retornar as atividades do mundo civil. Inegavelmente,os estu-

dantes dos cursos superiores, que tiveram suas carreiras seccionadas

com as convocações, tinham maiores ansias, em especial os de medici-

na que se viram impossibilitados de frequentar as aulas práticas.

As tropas aliadas, após a grande invasão na Normândia, na França,

mantinham as posições conquistadas, obtendo vitórias consecutivas, os soldados do Eixo, cansados e sem apoios, não ofereciam resistênci-

as, dentro de breve os exeércitos americanos e ingleses entrariam em Paris. No sul da Itália, onde atuava a a FEB, integrando o 5° Exército, o avanço fora aniquilador, pouco restava para a ocupação da penínsu-

la.

Já nas unidades aquarteledas no Brasil as exigências e treinamentos

passaram a ser menos rigorosos. Determinados estudantes começaram

a desfrutar da comprensão dos seus superiores.

Alguns meses antes, os oficiais subalternos, tenentes e capitães, haviam sido transferidos para outras corporações, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, que mantinham treinamentos para a

guerra, tais providências causaram inquietação nos que chegaram a

ser submetidos a exames de saúde e dados como aptos.Recebera,pas-

sagens e ajudas de custo, ficando desde logo marcada a data de apre-

sentação. Rômulo, como 2° Tenente, constava no rol dos que seriam

deslocados. Houve um interregno nas atividades da caserna desses o-

ficiais, para harmonizarem seus problemas na vida civil, ante a presun-

ção da transferência.

Com as rendições dos exercitos da Alemanha e Itália, o conflito mun-

dial esmoreceu. Haviam soldados espalhados em diferentes campos de

batalhas,o problema agora residia na volta aos seus países de origem,

e, consequentemente aos seus lares, destruidos pelos bombardeios.

Apenas permanecia em combate o Japão em confronto com os Estados Unidos. Até que se deu a explosão sobre duas cidades japone-

sas, Hiroshima e Nagazaki, a mais terrivel das armas - A BOMBA ATÔ-

MICA, de efeito catastrófico,matando minhões de seres humanos e mu-

tilando populações inteiras.

Chegara a hora da desmobilização no Brasil, todos da reserva volta-

riam às suas atividades cotidianas. Para muitos os dias passados nas

forças armadas se constituiram em verdadeiros martírios. Os desajusta-

mentos apareceriam em diferente momentos, os excessos cometidos

visando a manutenção da disciplina impressionaram. Os profissionais li-

berais mantinham o entendimento de que deveria haver direito de con-

tradizer, justificar e explicar, impossível no meio militar, o estribilho era

sempre o mesmo para diferente situações: "ISSO EXPLICA, MAS NÃO JUSTIFICA"! Mas houve benefícios para muitos,que passaram a ter ima-

gens diferente da vida,recolheram experiências e obtiveram profissões,

aplicaram no mundo em que viviam os aprendizados auferidos nos quar-

teis.

Enfim a guerra causadora de um morticínio incomensurável, com per-

das de vidas que poderiam ser úteis aos povos sucumbiram. Tristezas

que jamais se apagarão, destruições que perduram até os dias de hoje,

contribuiu, entretanto, para grandes avanços no mundo moderno, evo-

luções científicas, a descobertas dos antibióticos, peculiares como a penicilina e derivados,aplicáveis na atualidade. Trouxe,principalmente,

emancipações políticas, livrando com o decorrer do tempo a liberação

populacional de tiranias de muitas sociedades oprimidas.

###### O #######

EXPLICAÇÃO DO AUTOR: O presente texto pode ser considerado como

extemporâneo, mas tem dupla finalidade - PRIMEIRO - HOMENAGEAR OS BRASILEIROS QUE SERVIRAM NA GUERRA E NÃO FUGIRAM AO CHA-

MAMENTO DA PÁTRIA; - SEGUNDO - ILUSTRAÇÃO PARA AQUELES QUE

DESCONHECIAM A AÇÃO DIUTURNA MILITAR QUANDO EXPOSTOS À BE-

LIGERÂNCIA.

SMELLO = Alberto Frederico.

smello
Enviado por smello em 23/07/2007
Reeditado em 03/08/2007
Código do texto: T576007
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