Terceiro dia da semana

É terça-feira, sei que é a única informação que tenho do meu dia. Por isso sigo a minha rotina das manhãs, tomo o meu café, puro e forte, encarando essa xícara que agora repousa na minha frente, feita de um branco meio opaco, que acaba por combinar com esse café de ontem à tarde, meio frio. Mas isso de nada me importa, e me pego pensando num trecho de uma canção da Maria Bethânia: “Mas assim se vive/ morrendo aos poucos por amor...” Olha, sei que não quero dramatizar toda a situação, como das últimas vezes, me jogando em um fundo do poço e tentando escavar mais um pouco, esperando que os outros me resgatem de lá com conselhos inúteis que eu provavelmente me recusarei a escutar. Muito menos sairei por aí com o velho ritual de sempre bebendo e me entupindo de fumaça, na tentativa de preencher o vazio rindo com vidas tão opacas quanto esta xícara... É como se essa queda não me fosse tão conhecida, como se no final dessa ameaça de tempestade eu não conseguirei projetar o sol em qualquer pessoa que soe como uma tentativa amenizadora de resgate de mim mesma. Na vã ilusão de que recolha todos esses cacos que me limito a ser, e que me ferem tão intensamente agora, como uma lança exterior feita da minha própria carne, que vai me perfurando a cada vez que me recuso a estar assim... Mas, sei que me encontrarei nesse estado novamente, e esse sol que possivelmente irei encontrar daqui a não sei quanto tempo, dará o lugar pra outra ameaça de tempestade, que me fará despedaçar novamente. Nisso, me restarei mais incompleta, mas ao mesmo tempo mais resistente, feita de outras cicatrizes... A diferença é que dessa vez eu me vi despencar, não ousei interromper o processo da queda, apenas aceitei me restar no chão, das outras vezes não, busquei impedir. Sobretudo, vivendo a gente aprende que restar-se no chão também é um meio de não cair de novo.

Anny Ferraz
Enviado por Anny Ferraz em 13/09/2016
Reeditado em 03/07/2018
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