Lourdes
Lourdes abriu a lata de brigadeiro e meteu uma colher dentro. Comeu quase meia lata, depois se sentou no chão e olhou fixamente para o teto. Ansiedade, nervosismo, excitação. Tudo aquilo se convertia em fome. Ou pura compulsão de comer algo. Quase como se ela pudesse trocar um pouco da luxúria por gula. Mas não é bem assim que funciona com os pecados capitais. Fazia sei lá quanto tempo que ela não se sentia excitada daquele jeito. Apaixonada não. Algo dentro dela tinha morrido, ou pelo menos estava bem adormecido, quando se tratava de paixão. Ela só tinha se esquecido do que era se sentir mulher daquele jeito. Ser desejada, consumida, desfolhada do jeito que foi. A sensação era diferente do pouco que havia experimentado até aquele momento. Ela sabia que era o tipo de coisa que só acontecia uma vez. E mesmo que não fosse, havia tantos “poréns” em sua vida que ela mesma não queria que se repetisse. Sentiu enjoo pela quantidade de doce ingerida e compensou bebendo metade de uma garrafa de água gelada. Pensou em abrir uma cerveja mas desistiu. Contentou-se com um banho gelado. Pensou que a água fria fosse acalmar o que tinha sido despertado em seu corpo, mas sua pele parecia ter vida própria naquela noite. Tocou-se de forma impessoal. Como se fosse outro alguém tomando-lhe a carne. Alguém que ela ainda não conhecia, mas que iria lhe virar ao avesso. De corpo e alma. Sentiu que amava alguém e ninguém ao mesmo tempo. Uma sombra de carne e osso que lhe roubava o ar e misturava seus sentidos.
Por fim, sentou-se embaixo do chuveiro e deixou a água lhe lavar o que havia sobrado de si mesma. Tinha certeza de que sua vida iria mudar completamente num futuro próximo. Só que ela precisava de coragem para dar o primeiro passo nessa direção.
Por enquanto, ela ia voltar para a cama e para o presente cheio de teias em que ela vivia.
Estava feliz, no entanto.
Sabia que era só questão de tempo.