Solidão I
Sentada no restaurante, mais para aliviar os pés da inclemência de um sapato novo que propriamente para comer, pedi um sanduíche natural e guaraná.
Ao meu lado um senhor de cabelos brancos tomava sopa de ervilha com torradas. À nossa frente uma senhora obesa, devia pesar mais de 120 quilos. Estava vestida de maneira peculiar: saia cinza, blusa cor de telha, sandálias marrom com meia azul. Nos cabelos uma passadeira de listras rosa, azul escuro, azul claro e vermelho.
Tinha todo aspecto de uma pessoa solitária. Falava alto com os garçons. Contava detalhadamente a sua história e ria alto, espalhafatosamente. Tomou a primeira tigela de sopa. Levantou-se, encheu o prato com mais torradas e liquidou-as num instante. Chamou o garçom e pediu que repetisse a sopa e as torradas. Continuou a comer e falar alto como se estivesse representando para uma platéia de duas pessoas: eu e o senhor de cabelos brancos. Contou que a mãe morreu aos 101 anos noiva de um homem de 85. Que passara um ano fazendo o enxoval e nesse meio tempo faleceu deixando viúvo o noivo antes de casar.
Terminei de comer o meu sanduíche com guaraná natural e saí. Ia assistir à última aula do curso. A mulher continuava a comer e falar alto. Quando eu já estava na porta de saída, ouvi a sua voz:
- Meu filho, agora trás um pingado com uma broa de milho.
Praia do Anil, 30/07/04