Que lembrança eu sou?
Estava aqui pensando na minha avó...
Uma pessoa muito especial, guerreira!
Aquela típica mulher do interior, sabe?
Dona de casa, esposa fiel, mãe devotada.
Passou muita necessidade, enfrentou o alcoolismo do marido, de um dos filhos...
Em sua velhice, após a morte do marido, se viu praticamente só, os filhos a visitavam esporadicamente, até que começou a adoecer... mas não se entregou, não aceitava de forma alguma sair de sua casa e ir morar com ninguém. Independente e de opinião forte não admitia a ideia de se submeter a viver de favor tendo sua casa.
Infelizmente, seu estado foi agravado após ter um AVC, perdeu o movimento das pernas e sua mente se perdeu no passado.
Hoje ela anda, mas continua a viver em um mundo paralelo.
Ao se olhar no espelho, não reconhece sua própria face, conversa e ri por horas com a “senhora da janela”, sua melhor amiga.
Ao ver fotos em preto e branco estampando seu rosto juvenil diz “essa sou eu”.
Ao me olhar, se constrange por não saber dizer quem sou, ou diz que sou irmã, filha de alguém, mas um alguém sem nome...
Essa convivência diária, com essa pessoa que está no corpo de minha avó, mas que pouco traz daquela gentil senhora tão afável com os netos e com quem a rodeava, me faz refletir...
Quem conhecemos?
Quem nós somos?
Quem nos é estranho?
Isso é realmente importante?
O reflexo no espelho nada diz sobre nós, é só um alguém na janela...
Felizes seremos se o acharmos simpático e pudermos conversar por horas e rir com ele...
O que você é?
Você não o sabe!
Não adianta trajar-se das mais diversas certezas, minha avó batia o pé e dizia que nunca dependeria de ninguém, mas vejam só!
O mundo muda e nos molda... Os caminhos que percorremos são sinuosos, na próxima curva podemos nos deparar com o improvável, imprevisível... isso quase sempre acontece, não temos domínio de tudo...não temos domínio de nada!
Mas sabe o que aprendo todos os dias com minha avó?
Você não esquece de tudo!
E as melhores lembranças te acompanham, as pessoas mais importantes continuarão vivas em seu pensamento e quem você cativou, de verdade, continuará apreciar-te, mesmo que você não tenha mais aquele jeito encantador, que nem reconheça aquele velho rosto, que não dê a mínima atenção, têm pessoas que virão a teu encontro só pra te ver, sorrir de velhas lembranças, que você talvez ignore...
É curioso como nos tornamos marcantes para algumas pessoas que nem sempre o são para nós, um simples gesto e alguém nos eterniza ou eternizamos alguém em nós...
Não sei onde estarei daqui a 50 anos, não sei se terei contato com quem tenho hoje, não sei se os visitarei quando estiverem velhinhos ou se o contrário acontecerá...
Mas sei que hoje, aqui, agora, cada pessoa com quem convivo tem um pedacinho em mim...
Como se as pessoas fossem “quebra-cabeças”, mas não do tipo que vai ser posto em ordem e acabou o jogo, não! Seria do tipo que vai trocando peças, dando um pouco de si, recebendo um pouco do outro, encaixando as peças e se montando... Isso dura a vida toda, estamos nessa constância de trocas, interações.
dá para meditarmos: o que eu estou trazendo pro outro? Que sementes estou plantando? Será que vou ser aquela lembrança boa que alguém vai ter, mesmo em meio ao esquecimento?