A VIDA PODE SER ASSIM
 
      A pesar da beleza tão forte da natureza, a poucos passos do seu apartamento, ela não se sentia motivada a sair da cama naquela manhã, por nada. O tempo passava veloz para todos que aproveitavam aquele domingo de verão no Porto da Barra. A língua do sol lambia aqueles corpos tornando-os ainda mais bronzeados, expostos e desejados. Lá no apartamento o tempo se arrastava, ia deixando suas marcas e ela não ousava sair da sua casa. Carregava consigo o peso daquela proteção.
 
      Na praia, o moço passava com sua vasilha de queijo coalho fazendo malabarismo com o braseiro para que a chama não se apagasse. Ele seguia gritando: - Olhe o queijo mais gostoso da Bahia. Hoje é promoção! Promoção! Aproveite minha gente!

     Mais a frente seu Zé da barraca percorria as cadeiras que ele tinha alugado, molhando os pés dos fregueses com um regador. Aquela sensação da água refrescante molhando os pés debaixo do sol do verão trazia um relaxamento imediato. Na verdade ele regava cada cliente como uma plantinha. Era uma maneira de agradar a freguesia. Às vezes ele saia abrindo um caminho molhado para diminuir o calor da areia que ardia sob os pés indefesos dos clientes.

      Do outro lado, o taque-taque do frescobol, hipnotizava as pessoas que preguiçosamente assistiam o casal brincando. Um pouco mais acima a bela morena ensaia um desfile. Vagarosamente, com movimentos lentos e quase propositais começa a sentar na sua ganga estendida na areia, mostrando a sensualidade e o poder da existência aos vinte e poucos anos de vida.

      Tudo naquele momento e naquele lugar exalava potência e sedução. A poucos metros dali a cortina ainda permanecia cerrada. O sol nem teimava entrar pelas frestas daquele esquecimento matinal. A beleza do antigo copo agora era assaltada pela obesidade mórbida. Aquela alma permanecia inerte na cama.

      Na penumbra do quarto ainda dava para ver restos de pães, biscoitos e um prato com sobras de macarrão sobre a cama. Caixas de medicamentos entreabertas jogadas sobre o criado mudo sinalizavam o seu uso recente. Do outro lado da cama uma bacia com um pouco de água, lenços de papeis e restos de creme dental mostravam resquícios da higienização da noite anterior e daquela manhã.


      O abandono do ambiente e daquela vida aos trinta e cinco anos era algo incompreensível. A vida lá fora acontecia bela, sensual, casual e quente como o verão da Bahia. Ela permanecia presa na sua existência sem sentido. Faltava-lhe até mesmo a coragem para sair daquela escuridão.