Paraolímpico ou paralímpico?

Estranho neste caso de mudança de ortografia é que ele foi decidido pelo Comitê Paraolímpico. Jornalistas medíocres, e são muitos, simplesmente adotam a nome próprio como nome comum.

Ora, o Comitê Paralímpico Internacional, assim que querem ser chamados, tem o direito de usar o nome que quiserem. Mas não possuem o direito de serem referidos com o nome que quiserem. É o costume quem dá a palavra final.

Gostaria de acreditar que a ideia da mudança fosse pelo desejo de formar sobre este conjunto de modalidades esportivas um caráter próprio e distintivo em relação a Olimpíada. Já que o nome "paraolímpico" ainda remete a esta modalidade. Quando destacamos o prefixo "para", excluindo a vogal "o", cria-se um nome menos similar ao anterior.

Oficialmente seria para igualar com a nomenclatura de outros países. Em inglês se escreve "paralympics". Então seria algo como queriam fazer a tempos atrás com o nome Petrobrás. Como o estrangeiro estranha a pronúncia, queriam transformar o nome para a Petrobrax - facilitando a leitura e pronuncia para o gringo.

Uma pena sacrificar o que preservamos do original grego "olympias", para tornar mais pronunciável ou familiar nosso idioma aos outros países. Enquanto para nós, que estranhamos a nova grafia e pronúncia, ficamos a tarefa de nos adequar.

Outra coisa que incomodou bastante e muitos jornalistas entraram de cabeça, sem pestanejarem, algo que não nos surpreende mais, é a troca de Pequim para Beijing. Ocasião da olimpíada de Pequim em 2008.

A insistência do governo chinês em impor a grafia e pronuncia do Pekin(cantonês) para o Beijing ( mandarim) foi indiscutivelmente aceita pelos nossos jornalistas. A questão é que não chamamos a Alemanha de Deutschland, ou a Holanda de Nederland. É uma questão de costume mantermos estes nomes, ainda que nos referidos países assim não seja pronunciado e escrito.

A moral da história é: não tenha jornalistas como portadores da palavra final sobre nenhum assunto. Muito menos linguísticos. Eles têm profunda predileção por convenções, autoridades, senso comum e fontes oficiais. Poucos sabem fazer um jornalismo reflexivo.

Intrigante é que agiram desta mesma forma com a reforma ortográfica. Como eu disse, ele têm profunda predileção por convenções e pronunciamentos oficiais. A ideia da Reforma Ortográfica foi a de aproximar as formas de português escrito nos diversos países lusófonos em relação a um padrão comum. O que facilitaria o intercâmbio literário, documentação e padronizações de manuais entre outras atividades.

Teve um significado político até interessante na época que era aproximar os países de língua portuguesa através de certa padronização. Mas particularmente, foi uma grande bobagem acreditar que são acentos e hifens vão fazer diferença em relação ao intercâmbio cultural e econômico entre países como Brasil Angola, Moçambique e Portugal.

Digamos que a CBF queira de agora em diante que a Seleção Brasileira de Futebol seja chamada de Brazilian Team. Eles têm este direito, os jornalistas provavelmente entrarão na onda e o povo irá decidir. Se no cotidiano as pessoas continuarem falando em Seleção Brasileira e não fizer sentido para elas o novo nome, até mesmo o jornalista mais afeito a estrangeirismos terá que ceder.

O caso do "presidente" ou "presidenta" sensibilizou muita gente. O engraçado neste caso, exceção, os jornalista não foram tão unânimes. Embora, o uso de "presidenta" tenha usos formais no português de outros tempos, o seu resgate pelo governo de Dilma Rousseff, foi no intuito de desmasculinizar o termo, criando uma variação para o uso feminino.

Eu particularmente, achei desnecessário, pois a palavra não se encaixa particularmente nem num gênero nem em outro. Poderíamos falar em o "dente" ou minha "parente" ou a "assistente" ou o "assistente". Da mesma forma "a motorista" ou o "motorista".

Por outro lado, a Ministra Rosa Weber, ao se referir a pronúncia "presidenta" como algo de pessoas que não respeitam o idioma, não soube lidar de forma sofisticada com uma questão que vai além de saber ou não usar o português.

Nas universidades, digo entre os estudantes, esta comum a grafia @ ou x no lugar de vogais que possam designar gênero. Exemplos: ao invés de usar caros, usa-se car@s. Ao invés de amigos (quando se quer referir a homens ou mulheres), usa-se amigxs. Há um entendimento de que "eles", no masculino, também se referindo tanto a homens como mulheres, ser algo machista.

A língua portuguesa se compararmos com a forma escrita de outros tempos se modificou bastante. São as convenções, contatos e choques culturais, costumes e mesmo autoridade de escritores e homens públicos que vão dando ao idioma suas formas atualizadas. Então o que era errado em outros tempos, tornou-se o padrão nos tempos de hoje.

O que não significa que relativizamos a língua. Mas que precisamos entender que a língua é uma construção contínua e não estanque em algum tempo clássico ou sagrado. A língua, suas formas e maneiras, é um campo de disputa pelos diversos atores sociais.

Formas de pronunciar e mesmo grafar ditas erradas podem expressar mais do que uma educação ruim ou incapacidade intelectual. Podem expressar necessidades e significados muito particulares de certos grupos, principalmente minorias sociais (onde os erros são mais "visíveis" ou visados).

Neste sentido, a língua é uma forma de estabelecer distinções culturais e de classes sociais ao mesmo tempo que parece estar reproduzindo um padrão culto e normativo.

A língua é um território de disputa ideológica, cultural e política e está muito longe de ser um mero padrão comunicativo formal entre as pessoas.

O significado das mudanças no idioma tem um sentido ideológico muito mais do que gramatical. É preciso que todos participem desta construção e que ela não fique restrita a jornalistas, políticos ou profissionais ditadores de regras gramaticais.

O jornalismo não entra nestes méritos. Muitos profissionais sabem que não podem ir muito além disto por imposição de tempo, público e linha editorial. O mais assustador é que as pessoas não são avisadas antes verem um Jornal Nacional ou de abrirem um Folha de São Paulo que:

"Caros consumidores, as notícias aqui são apresentadas de forma acrítica e algumas vezes incompletas. Temos que pensar nos anunciantes, nos grupos políticos que nos financiam, nos nossos interesses como empresa e no cuidado de não polemizarmos com que possa se voltar contra os nossos interesses diretos e indiretos. Nós jornalistas também temos nossas ideologias, preconceitos e preferências - não podemos garantir isenção ou neutralidade quanto às mesmas. Cuidado ao utilizarem as notícias como informações decisivas para tomadas de decisão quanto a vida, saúde, política, eleições e valores. Obrigado por sua compreensão"

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 08/09/2016
Reeditado em 08/09/2016
Código do texto: T5754555
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