Centopeia
A centopeia, simplesmente é. Sim, com vírgula. Tão frágil, um ser nu. Totalmente aberta para o ambiente. Qualquer coisa que se fizer irá afetá-la. A centopeia. Se lhe joga sabão, parece afetá-la, talvez queime, como ácido, entrando por entre as dezenas ou centenas de pernas, queimando seus órgãos, em suas entranhas queima o sabão. Se derrama-lhe água, parece se afogar. Talvez se afogue a pequena vida. E ela procura sair daquele desespero, sozinha, coitada. A cada toque, uma sensibilidade extrema, chega a ser doloroso ver. Tão frágil que tudo se pode fazer com ela que ela sempre reagirá. Não há seres mais puramente vivos, constituídos de vida, do que os insetos. Eles realmente sofrem, realmente vivem e estão sujeitos a todo tipo de maldade humana e de outros animais. Há dois tipos de pessoas: aquelas que, conhecendo a sensibilidade do inseto, tem medo extremo de fazer-lhe mal e provocar tamanho sofrimento. E há aquelas pessoas que, igualmente tendo conhecimento da sensibilidade do inseto, exatamente por conhecer isso e ter o poder de causar-lhe mal, chegam a fazer com que ele sinta o extremo da dor, até que não suporte mais e sua vida seja expulsa do corpo à força, através da mutilação daquilo que o liga à vida terrena. Assim, a vida, não tendo mais o hospedeiro, é obrigada a se retirar deste mundo. Mas, a vida, com uma vontade enorme de viver, não se vai e fica impregnada até a última perna da centopeia, até que a última perna não possa mais se mover, até que a centopeia não sinta mais a sua última dor e que não sinta a única dor que a prendia ao mundo, em sua perna. A única coisa que prende o inseto antes da morte é a dor. Seu corpo, que ele sabe que nunca mais poderá voltar a ser o mesmo. Não há mais chance de vida. Não há como ficar entre a recuperação e a morte. A morte é a única escolha, o único caminho. É o natural. Aí, então, a vida se vai, sem poder se despedir.