O PAU DE BATER TEMPERO
Miguel Lucena
Recebo a notícia de que o lendário goleiro Mitonho, de Princesa, teve um derrame cerebral e perdeu parte dos movimentos do corpo.
Veio-me à mente, como causa provável do AVC, um jogo de futebol entre o Cancão de Princesa e o time do Sítio Jurema, de Tavares, quando um atacante violento acertou um chute na cabeça do corajoso arqueiro.
Eu era muito menino, tinha 7 ou 8 anos, mas me lembro bem desse jogo.
Meu pai estava na torcida, jogou o chapéu para cima quando o Cancão fez o primeiro gol e teve de comprar outro no dia seguinte, pois alguém sumiu com o bem por dentro de uma cerca de aveloz do campo da Laje, estádio da cidade de Princesa.
O lance da agressão a Mitonho se deu no segundo tempo, o jogo estava 2 a 1 e teve uma falta na intermediária para o time de Tavares. Foi todo mundo para a área do Cancão e o técnico da Jurema gritava para o cobrador do lance jogar a bola no “fuá”.
- Joga no fuá, joga no fuá!!! – repetia.
Já estava escurecendo, perto do fim do jogo, quando a pelota vermelha – parecia que era feita de couro de bode – foi alçada à área do Cancão, subiu e desceu e ninguém mais viu nada.
Quando a movimentação parou, deu para ver Mitonho embaixo dos jogadores, agarrado com a bola e coberto de barro, quase em cima da linha do gol. O atacante Boquinha tentou chutar o goleiro com bola e tudo para dentro do gol, mas acertou a cabeça de Mitonho, que ficou estrebuchando, como se fosse morrer.
A multidão, revoltada, invadiu o campo para pegar o agressor. Não havia arquibancada, a torcida ficava na beira do campo, cercado de avelozes, e por ali se instalavam também as bancas de mangalhos e bebidas, comandadas pelas mulheres da Rua do Cancão. E foram justamente essas mulheres, à frente Tôta de Malvadeza, que lideraram a revolta dos torcedores.
Cada uma pegou o que tinha por perto, concha, colher e faca de mesa, e correu atrás do atacante desleal.
Nunca mais se ouviu falar de Boquinha.
Uma semana depois, acharam numa vereda um olho seco e um pau de bater tempero.