O NEGRO QUE MATOU O PADRE

Um golpe fatal rasgou com violência o peito do monsenhor Joviniano Barreto que, ainda envergando o roquete, desfaleceu já sem vida nos braços de alguns atônitos seminaristas que o ajudavam a entrar no carro.

As Parcas já lhe tinham fiado o tecido da morte.

Há menos de um minuto, o religioso havia deixado a solenidade de lançamento da pedra fundamental do convento dos capuchinhos. O assassino, ainda de faca em punho, arquejando como um porco ensanguentado no matadouro, como que possuído pelo Pazuzu, balbuciava grunhidos, roncos e coisas ininteligíveis.

Alguns circunstantes afirmaram que ouviram ele dizer em alto e bom som a estranha frase: “Matei o Monsenhor porque ele remexeu nos mistérios de Juazeiro”. Mas, quem iria naquele momento, saber o que um assassino enlouquecido queria dizer? O criminoso, chamado de Manoel Pedro da Silva, ficou conhecido como “o negro que matou o padre”.

Oficialmente, a História conta que o matador queria constituir matrimônio com uma mulher já casada, o que o monsenhor negou veementemente, proibindo-o de entrar na igreja e até de assistir à missa, ameaçando-lhe de excomunhão, caso ele insistisse naquele sacrilégio. O homem então, fora de si, ali mesmo, insistiu mais uma vez com o padre para que o casasse, sob ameaça de que iria morar com a moça, com ou sem o casamento religioso. Diante de tal sentença, o vigário perdeu todas as expressões de serenidade, deixando lhe ferver nas veias o sangue de filho dos Inhamuns e, com desmedida violência para um sacerdote, empurrou o pobre homem escada abaixo. A sentença de morte do monsenhor, foi proferida irreversivelmente, então, naquele momento.

Tendo isso exposto, então, a que mistérios de Juazeiro, o assassino teria se referido?

De fato, durante o sermão de uma missa que celebrara, o vigário Joviniano Barreto pusera em dúvida os milagres de transmutação da hóstia em sangue, ocorridos na pequena vila em que o Padre Cícero era vigário. E bem muito antes do seu assassinato, o monsenhor já denunciava às autoridades eclesiásticas da região que, na Baixada da Anta, os fanáticos estavam se desviando da ortodoxia da Igreja Católica, praticando o fetichismo em total heresia aos cultos da Santa Igreja, principalmente em relação à “santificação” do boi Mansinho, presente dado por padre Cícero aos seguidores do beato José Lourenço. O animal fora cuidado com todo zelo e carinho pelos fanáticos, mormente por se tratar de uma doação feita pelo “Santo Padim Cíco”, como gostavam de se referir ao sacerdote.

Aos poucos, a estima dedicada ao boi Mansinho, que ficou sendo chamado de “Boi Santo”, foi se transformando em adoração. Os chifres eram adornados com flores e fitas; sua urina transformada em remédio milagroso e as pontas dos cascos em amuletos.

As autoridades da época, tendo à frente o Dr. Floro Bartolomeu, atendendo os anseios do monsenhor e tentando evitar críticas da imprensa, pôs fim no totemismo ao prender o Beato José Lourenço e mandar sacrificar em praça pública o “Boi Santo”, na presença de muitos fanáticos, inclusive entre os presentes, estava o negro que matou o padre.

E o que dizer de dona Hermínia Marques Gouveia que tinha estranhas visões e que escrevia tudo a mandado de Padre Cícero? Poucos dias antes de morrer, queimou vários rolos de papéis e mandou enterrar muitos outros, coisa que desagradou bastante ao padre Cícero, que fez arrancar os papéis enterrados que se encontravam totalmente encharcados, não se aproveitando quase nenhum, pois havia chovido muito naqueles dias. O que tinha nesses papeis?

Eram esses mistérios, entre muitos outros, que o monsenhor Joviniano havia remexido, sendo punido com tão violenta morte?

O criminoso Manuel Pedro da Silva que era natural do Rio Grande do Norte, foi achado morto, na prisão, com três profundas peixeiradas, no dia 31 de dezembro de 1958. Causa oficial da morte: suicídio.

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Blogs consultados e textos reproduzidos:

Revista Continente

Cariri Cangaço

História de Juazeiro