Os devaneios de alguém que não existiu
Nós não existimos, sabe? Às vezes na vida a gente até titubeia e tal, vem aquela esperançazinha, mas aí vem na nossa cara o vento frio da realidade e nos faz lembrar que o ser jamais foi. Ninguém que é alguma coisa se move com esse entorpecente cor de mijo, né? Pois é. Foi a única coisa que me moveu e fez sentir algo durante todo esse dia. Aí pela primeira vez no decorrer desse tempo me veio o ímpeto de te cancelar. Mas não aquele ímpeto nascido da raiva, na pirraça, que no fim, não é significante, a gente esquece. Foi um ímpeto maturado no filme que se passa na sua cabeça quando merdas muito grandes acontecem. Cancelar você. Seu cheiro, seu toque, a areia e o mar, o céu e todas as coisas. Então o ímpeto se tornou vontade genuína. Aí eu me assustei. Não pela iminência de acabar algo, mas pela iminência do meu recomeço: dei-me conta que finalmente me corrompi. Dei ao mundo o que ele queria, afinal, ele não faz questão de pessoas feitas de carne, osso e sentimentos. Ou eu levantava e dançava essa sinfonia estranha ao meus ouvidos, ou plow!, era o fim da minha quase sanidade. Levantei e dancei. Mais que isso, me deixei levar. Minha fênix não veio vermelha alaranjada, com cores da vida. Ela apareceu negra, pesada, se arrastando, porque a leveza não é sinônimo de força nessa vida, o pesar é. E assim como um demônio sôfrego por uma existência não mais que miserável, abracei o que o mundo e o que você, mesmo dizendo o contrário, esperavam. A catarse entre a humanidade e o nada não veio acompanhada de uma lágrima sequer, nenhum medo sequer. Parece até que nasci para isso, para chegar até aqui e desafiar a minha natureza.
Pronto, expurguei minha essência. O que virá agora? Quero honras e louros. Quero cânticos embargados por um pesar de adeus. Quero você com ares de incredibilidade. Porque eu venci, não importa o preço que paguei.
É, está feito. Mas por enquanto, acho que só vou ter outro copo mesmo.