Haicais de um jovem motoboy

Haicai é uma forma de poesia japonesa. Um haicai deve conter três versos e 17 sílabas no total (5 sílabas no primeiro e terceiro verso, e 7 sílabas no segundo). Jorge aprendeu isso na quinta-série com 11 anos. Hoje, 8 anos depois – já formado no ensino médio, trabalhando e estudando para passar no vestibular – Jorge é viciado em escrever haicais.

Ele era motoboy de uma pizzaria que só trabalhava de noite. Passava as tardes estudando e as noites entregando comida redonda. Porém, enquanto se ocupava disso, Jorge bolava em sua mente haicais peculiares. Eu digo “peculiares” pois os haicais do motoboy vestibulando tinham uma característica no mínimo excêntrica: sempre que sobravam 3 sílabas no último verso, Jorge escrevia “caralho” sem rodeios. No primeiro dia de trabalho na pizzaria Jorge bolou:

“– Tem de calabresa?

Tem sim. – E de pepperoni?

Tem também, caralho!”

Ele não sabia por que escrevia daquela maneira; mas, na realidade, não sabia nem mesmo o porquê de escrever haicais. Nunca se importou nos significados deles, apenas os fazia aleatoriamente.

Agora, enquanto conversa com sua chefe, Eleonora – uma senhora de 63 anos, cheia de energia e dificilmente irritada –, Jorge busca as palavras para sua próxima obra.

– Como estão os estudos Jorge?

– A senhora me pergunta isso todos os dias. Estão bem... bem chatos.

Talvez alguma coisa sobre patos, ou astronautas, ou ambos... Jorge pensava.

– Ora essa, então desista. Sempre terão pizzas para serem entregues. Hahahaha – Ela baixou a vista para ler seu caderno de pedidos (Eleonora não usava computadores em sua pizzaria). Jorge não disse nada, sabia que a chefe estava brincando, ela torcia para ele passar nas provas e essa era sua forma de apoio. – Esteja pronto para sair em cinco minutos. Temos três pedidos no centro.

Qual a silaba tônica de pedido? Jorge indagava a si mesmo enquanto buscava o capacete.

Por fim, antes de sair tinha:

“Faça um pedido,

Mas não conte para mim.

Pois dá azar, caralho!”

Colocou as pizza na bolsa quadrada, pôs o capacete, montou na moto e saiu. Ele se lembrou que certa vez fizera:

“Uma moto sempre

Passa costurando tudo –

Veículo agulha.”

Mas ele não gostava desse. Os haicais sem caralhos pareciam estar vazios, para Jorge. Ele se lembrava daquele poema descaralhado enquanto varava um sinal vermelho inconscientemente (palavra grande demais para um haicai...). Um ônibus atrasado para cumprir seu horário estava vindo a seu encontro rápido demais para parar a tempo. Quando o motorista do ônibus finalmente freou o veículo, um Jorge fragmentado já estava embaixo dele pensando:

“Uma moto sempre

Passa costurando tudo –

Menos eu, caralho!”

L.A. Fernandes