A CULPA É DAS CAPIVARAS


Gosto da convivência com as coisas naturais. Esse meu lado poeta, na medida em que o viço vai esfriando, as atenções das letras e dos versos, vão-se desviando das paixões frívolas e se voltando para a poesia contida na harmonia da natureza.

E assim é que eu e minha musa maior, casal já amadurecido e calejado pelas décadas, tomamos gosto pelo camping. Devagarinho vamos adquirindo todos aqueles apetrechos de acampamento e assim temos passado belos e gostosos finais de semana.

Dias atrás, a convite de um grupo de amigos jovens de boa cepa, fomos acampar na Represa de Perimbó. Há muito que ouvíamos falar nesse local e todas as falas diziam ser um local absolutamente lindo. E o é. A represa de Perimbó, é – diria – uma represa natural, localizada nas alturas da cidade de Petrolândia, que fica no Alto Vale do Itajai, na minha bela e Santa Catarina, onde forma inúmeras lagoas. Inúmeras mesmo, todas rodeadas de pinus já altos, formando realmente um local absolutamente paradisíaco.

E fomos privilegiados naquele final de semana. O sol brilhava intenso, espelhando nas tranquilas águas dos lagos e formando fotografias naturais da mais poética visão. Era assim como assistir poesia viva. Paz total, tranquilidade absoluta, silêncio e harmonia quebrada somente pelos Marrecos D´agua que vezes em quando barulhavam e interrompiam alegremente o silêncio.

Só um registro negativo para o Perimbó. Toda a vegetação ao redor dos lagos é formada de Pinus elliottii. Sem nenhuma árvore nativa, que ofereça flores ou frutos. Com isso, não vi nenhum pássaro (a exceção dos marrecos d´agua). Não vi nenhuma borboleta. Nada. Mas dizem que existem muitas, mas muitas capivaras no local. Durante o dia não vi nenhuma, mas dizem que tem. E muita. E barulham muito.

O sábado corria. Acampamento pronto. Barracas armadas, caipira correndo de mão em mão, algumas latinhas sendo enxugadas e o fogo estalando ao lado, vindo da fogueira de chão feita para cozinhar, bem daquele jeito campeiro, rústico e porque não poético.

Tinha também uma rede, onde as pessoas se revezavam para dar asas à preguiça, balangando de frente para o lago, daquele jeito baiano de levar a vida. Ei vida, diziam os presentes. Ei vida; fogueira queimando ao lado, à sombra do acampamento, a manguaça correndo e nada para fazer, que não fosse olhar e viver aquela belezura toda.

Dentre os presentes, estava um casal bem jovem que por durante todo o tempo exalavam  erepassavam paixão. Daquele tipo de paixão comum das relações novas, quando se enxerga a sedução mútua faiscando pelos olhos, até pelo ar que respiram, alimentada ainda mais pelos risos discretos, mas percebidos, claro, principalmente pela sensibilidade de um poeta.

Tal jovem casal, esperava a noite chegar. E a noite não chegava. A barraca deles havia sido montada a pelo menos uns 50 metros do acampamento. Incialmente eu não havia entendido o porquê da distância, só mais tarde percebi os justificados motivos. Quantos motivos!!!!

A tarde corria, os papos rolavam e os olhares dos dois a cada vez que se cruzavam, relampeavam expectativa pela noite, que demorava a cair. Como demorava. E veio a noite e veio o alerta do casal, de que ali, a noite, havia muita Capivara. Já tarde todos se recolheram. A lua saiu pomposa, derramando prata nos lagos, que brilhavam candidamente.

A madrugada também chagava e nada de dormirmos. Sono até tinha. Ocorre que os gemidos e outros sons característicos das fortes e saudáveis paixões refreadas durante o dia e ainda mais aquecidas pelo redor, não nos deixavam dormir. Aqueles gemidos, urros e gritinhos vinham lá de longe, de uns 50 metros, se espalhavam pelo pinheiral e ecoavam do outro lado da lagoa. Assim a madrugada avançava, a lua subia, os sapos barulhavam, as Jiripocas piavam e eu não dormia. O cansaço chegou em demasia e então dormi.

Acordei já com o sol alto. A mesma poesia ao redor. Levantei e fui para o acampamento. Acendi melhor o fogo, pus água para esquentar, esperando minha musa também levantar e fazer aquele café. Pouco a pouco outros acordaram, foram se chegando e se entreolhando. Creio que cada um queria falar sobre a noite mal dormida e os motivos, mas ninguém se atrevia.

Já bem mais tarde o casal barulhento levantou e vierem se juntar ao grupo. Sonolentos ainda, cabelos revoados e famintos por um café matinal, para recompor as energias. Chegaram, sentaram ao redor e todos os olhares no casal. Só os olhares, já que ninguém se atrevia a tocar no assunto, quando a moça do dito casal tomou coragem.

- Poxa, porque nos olham assim. Não temos nenhuma culpa se vocês não conseguiram dormir.
- Eu bem que falei. Aqui tem muita capivara.
- Se não conseguiram dormir, a culpa é das capivaras.

E assim ficou intrinsicamente  combinado. Todo aquele barulho foi provocado pelas capivaras. Só podia ter sido, muito embora eu não tenha visto nenhuma.

Lembrem, pois, que se algum dia fizerem um acampamento e em meio ao grupo tiver um casal super apaixonado e afoito, mesmo assim eles não fazem barulho. Se ocorrer gemidos na madrugada, a culpa é sim das capivaras.

Essas capivaras!!!!

 
Eacoelho
Enviado por Eacoelho em 01/09/2016
Reeditado em 09/09/2016
Código do texto: T5747160
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