SÓS

Quando regressou das marchas vitoriosas, sob a égide de conquistador do mundo, não encontrou mais ninguém. A tristeza havia invadido a fortaleza onde morreram todos os parentes. E o mais profundo desgosto se alojou no coração do rei. Um castiçal sustentava a luz que guiava o caminho. A vida passou a ser impossível. E, então, ele definhou. O abalo só não rompeu com o silêncio. Um tinha o outro. Adivinhos de si mesmos. Por mais desapiedado... - Era isso mesmo. Até que a vela foi a frações de cerúmen. Fez-se treva. Não era mais um isolamento, mas a agonia da morte. A vida foi reeditada em dois atos: reabriria as covas, para que as almas de seus entes encarnassem num último abraço; e, após vencido desse dia admirável, fecharia os olhos para não mais existir. Assim, não haveria saudade. Porém, ele não era Deus. Chegou a admitir a renúncia da sua vida moribunda... - Mas, o que teria para dar senão o resto de seus dias? Então, decretou a si mesmo: nada mais ordenarei. Continuarei desprovido da claridade fosse dia ou noite. Não me darei direito ao sonho. Arrancarei as unhas nas paredes da prisão e esperarei. E, quando a minha hora chegar, elegerei a loucura a segurar-me a mão. Deixarei, feito herança, a desgraça que foi a minha impagável vida de ilusão. Serei enterrado em vala de indigentes. Não haverá cruz, nome ou flores, já que não fui digno de enterrar todos os meus amores.

Misael Nobrega
Enviado por Misael Nobrega em 31/08/2016
Reeditado em 29/09/2023
Código do texto: T5746000
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.