Cartas à solidão

“A vida não é a que a gente viveu e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la (...) Tinha que ensiná-la a pensar no amor como um estado de graça que não era meio para nada, e sim origem e fim em si mesmo”. O amor nos Tempos do Cólera, Gabriel Garcia Márquez

A pior dor que um ser humano pode sentir é a da solidão. Não é tão simples quanto parece o que eu faço todos os dias: tomar um café na companhia dos cômodos quietos dessa casa escura, ouvindo o barulho das risadas lá fora, em frente ao retrato virado de cabeça para baixo. A dor mais forte que um ser humano pode sentir é a da solidão.

Nunca foi assim. Quando eu era mais jovem brincávamos de correr no pátio da escola, ficávamos até tarde na rua assistindo ao pôr do sol, tomávamos sorvete na praça da Matriz e íamos embora pensando em voltar. Hoje, sinto a dor da solidão.

Os anos se passaram e nos casamos. Tivemos filhos e netos. Tivemos paciência e amor. Tivemos 50 anos de união, até ela me trair. Lágrimas e dor. Conselhos, amparos, afagos. Nada disso eu quis. Hoje, me agarro nestas linhas para escrever com grande pesar sobre a minha solidão: a agonia mais intensa que um senhor pode conhecer.

A rotina simples do meu dia é esperar o amanhecer. Não ligo para nomes, novelas e jornais. Leio o mesmo livro há três meses e não termino por medo que tenho de ele também me deixar. Não quero chegar ao fim da história e perder meus companheiros diários. Mais do que isso, não quero decepcioná-los guardando na gaveta a incrível história dos amores perdidos nos Tempos do Cólera.

Ela me traiu. Enquanto eu termino esta frase, meus olhos se enchem de lágrimas e orgulho. Juramos a eternidade perante Deus, nossa família e amigos que nunca mais vi. Era uma promessa fácil de se cumprir, mas que, por uma razão que fugiu de meus domínios, não conseguimos. Em seu leito eu não entendia por que fechou os olhos antes de mim. E hoje eu sei que a dor mais forte que um ser humano pode sentir leva o nome de solidão.

Sentado nessa poltrona antiga, escrevendo cartas a qualquer remetente, tento voltar em meus pensamentos para dizer todos os dias que eu a amava, conforme ela esperava. Não tive tempo de presenteá-la como ela merecia. Não enviei rosas, pois eram caras. Não enxuguei suas lágrimas quando ela mais precisava. Eu apenas vivia ao seu lado. E ela nunca desistiu de mim, até hoje, quando deu suas mãos aos anjos.

É por isso que se um jovem casal vier me perguntar sobre os anos que tive ao lado de minha amada, eu ofereço alguns conselhos:

Diga bom dia. Deixe um bilhete na porta da geladeira. Preste atenção em qualquer vírgula de sua história tediosa. Durma ao seu lado, mesmo depois da briga. Afague suas lágrimas com mãos de conforto. Os dois precisam de um ombro amigo. Acima de tudo, ame. Demonstre esse amor e receba em dobro.

Hoje, escrevo cartas à solidão. A dolorida solidão, que tanto fiz para merecê-la.

Kallil Dib
Enviado por Kallil Dib em 29/08/2016
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