CEM HOMENS BONS

CEM HOMENS BONS

"(...) cheguei a alguns resultados que, olhando

para trás, me agradam. Olho e percebo que há

registros de minha passagem por aqui. Não sou

bom em datas, teria problemas em localizar cada

pequena vitória, para mim tão importante, nessa

trajetória". EDYR AUGUSTO PROENÇA

(in "Diário do Pará", Belém, 19/08/2016)

Normalmente não costumo acusar no título o tema de meus escritos, o motivo central de cada um, a razão primeira para registrá-lo no papel. Mas a leitura dessa bela crônica de Edyr Augusto me induziu a relembrar um número considerável de pessoas que passaram pela minha vida (e, quase sempre, na de meu irmão gêmeo) e me ajudaram desinteressadamente. Foram muitos, alguns já citados nas crônicas "Os Micos que vivi", 'Olha lá, o Negro" e "Só acontece comigo", além de outros mais que somente agora surgem das brumas do anonimato.

Um desses filósofos amargos, vendo a Vida pelas lentes do sarcasmo, definiu que "fazemos caridade porque isso nos agrada", nos alivia de um certo sentimento DE CULPA (?!) pela situação do outro. Em suma, numa "tradução" crua, ajudamos apenas "por vaidade"... discordo em absoluto dessa linha de pensamento, o que nos move é tirar o próximo de uma situação que o INCOMODA, o prejudica, o entristece. A isso chamam de ALTRUÍSMO, fazer o bem "sem olhar a quem" !

O jornalista Edyr Augusto é um escritor DE BELÉM, um dos poucos dessa Amazônia tão rica em Artes e artistas -- e tão devastada e explorada -- a ter suas obras editadas fora do Brasil. Jamais esqueci de extensa crônica, publicada em junho de 1989 no saudoso jornal "A Província do Pará", onde um certo Miranda fazendo troça dizia que poetas em Belém eram como "tampinhas" de refrigerante... "tropeçava-se neles pelas ruas e praças da Capital. O Edyr Proença escritor só vim a conhecer recentemente, a partir da coluna "CESTA" (?!) editada no caderno TDB do "Diário do Pará". (Ou gosta muito de basquete ou essa cesta é o "purgatório" dos rascunhos que descartamos. Costumo guardar algumas crônicas, quando trechos delas "me afetam" de maneira especial. Edyr trata de nossa passagem por este Planeta medíocre, suicida... " o que fica da trajetória de cada um, na Terra?", questiona êle. E vai além:

"E é mesmo necessário fazer alguma coisa? Se não houver público, o que será do artista? Se não houver ciclistas,o que será do mecânico de oficinas? (...) Tudo isso me leva ao início. O que ficará, depois de mim, nesse mundo? Hoje tudo é tão veloz, descobertas imediatas, um futuro que já chegou e talvez até já tenha ido. Na velocidade em que vivemos, o presente elimina o futuro a cada segundo que passa. (...) O que sei é que uma vez perguntei a meu pai como queria ser lembrado e êle me disse: como um homem bom. Só isso importa. Pensei muito nesse conceito. Concordo.Às favas com as conquistas. Quero é ser um homem bom."

(in "Diário do Pará", caderno TDB, 19/agosto 2016)

Olho para trás, aos 5-6 anos de idade, no barraco 3 x 6 m ao cair da tarde, meu pai nos apressando, ía nos tirar do Morro onde nascemos à revelia da mãe, sua esposa. O pneu traseiro do carro antigo "caiu" numa fossa e um homem bom apressou-se em ajudar nosso pai. Com um longo pau e músculos de estivador "salvou a noite" do velho, que "voou" no calhambeque a té a Rodoviária carioca.

Seriam 3 dias de viagem de ônibus até Curitiba, 1959 ou 60, pela famosa Viação N. Sa. da Penha, subindo e descendo a serra de Petrópolis, aos cuidados do motorista (?!) do ônibus, com 1 bilhetinho para os outros motoristas que se revezavam, além do outro ônibus de Curitiba até Rio Negro, no sul do Paraná. Não me perguntem como chegamos até a casa dos meus tios, nem eu sei! Homens bons aqueles, num tempo "bão" que não voltará jamais !

Sinceramente, "deixei a Vida me levar", não me recordo de um só momento em que tenha tido as rédeas de meu Destino. Quem decidiu meu retorno ao Rio, por volta de 1968, foi minha tia e a obrigação do "serviço militar" no Estado onde se nasceu. Quem "definiu" minha vinda para o Pará em dez./1983 foi meu irmão mais velho, Antônio Carlos, bem de vida na época e com um sitiozinho no interior, sem luz elétrica nem coisa alguma e que precisava de um "caseiro". Quem adorou a escolha foi minha mãe, já com 70 anos e voltando "às origens", ela que nascera no interior de Minas Gerais. Encontramos homens bons às pencas, às dúzias naquele "matão"... e alguns homens péssimos, também! A vida do caboclo amazônida é, em geral, de um sacrifício ímpar, inimaginável para o citadino com hora certa para entrar (e sair do) no emprego num escritório, comércio ou fábrica.

Um homem bom -- de mudança para o Maranhão -- nos cedeu sua "casa popular" na periferia da Capital e em 1986 largamos "às favas" o sítio e seus problemas... pude, enfim, conviver em Belém com o poeta José Ildone e todos os literatos à sua volta, na recém-criada APE-Assoc. Paraense de Escritores e também nas reuniões abertas da suntuosa APL, a Academia dos "Imortais", todos homens bons, principalmente o que eu viria a conhecer mais de perto, o "Príncipe dos Poetas" ALONSO ROCHA. Outro homem bom na Redação do "Diário do Pará" da época, Cléodon Gondim, abriria espaços no jornal para as "patacoadas" minhas e de um certo Abadessa, ambos "disputando" palmo a palmo quem escrevia mais "bobagens".

Na Capoeira do Rio conheci homens bons preocupado apenas EM ENSINAR o que sabiam e em mostrar a todos a beleza da dança-luta, os mestres "Peixinho" e "Camis(inh)a" na Zona Sul e mestre Gilberto na Barra, além de "Lua", sem destino certo. Já em Belém homens bons, fotografando DE GRAÇA nos ajudaram demais a divulgá-la como ARTE... Rufino Almeida, Carlos Rauda, Edinaldo Silva, o artista plástico Gilvan Tavares e Edmílson Sampaio, entre êles. Outro capoeirista, que respeito e admiro, Fernando Rabelo de Souza, me introduziria (sem eu pedir) no universo cibernético, com uma "trovinha" amarga que lá ficou "soterrada" por ano e meio, até eu descobrir o potencial dessa "ferramenta" para todo tipo de Artistas, principalmente escritores.

O empresário de Ananindeua Carlos AnoBom (o pai), já com uns 80 anos, "rodou céus e terras" conosco, filmando mais de 6 horas da Capoeira local, em Batizados e Rodas, isso em 1990. Em 2008, nos meus primeiros dias na Internet o gaúcho Kais Ismail, nos confins dos pampas, me doou notebook novo de mais de 4 mil reais na época que, por inexperiência, não soube usar e o repassei para um blogueiro aqui do bairro, o micro-editor RUI "Baiano" SANTANA, que abrira um espaço em seu blog sobre Ananindeua para mim, sob o título de "O Poeta da Rua". O microempresário Márcio Oliveira "gastou" vários domingos comigo em 2012, filmando-me com um celular em quase 80 "clips", hoje no YouTube. Por fim, entre os mais de CEM HOMENS BONS que já cruzaram a minha vida está o "afrobrasifrancês" mestre GUARÁ, que realizou em 2014 sonho meu de quase 40 ANOS.

Edyr Proença não quer ser "o rei dos churrascos", apenas UM HOMEM BOM" Nos meus pesos e medidas já o é! Duvido muito que êle lembre do sujeito magrelo e com ar de defunto que adentrou seu gabinete no CENTUR em meados de 1991 -- tentando realizar uma bela exposição da Capoeira de Belém -- apresentado por seu secretário particular, o poeta José Maria Villar. Naquela distante época havia "bolsões" de antipatia pela Capoeira, ficando difícil qualquer abordagem, embora o esforço positivo das meninas da Biblioteca central -- as Sras Regina Maneschi e uma outra, grandona, ambas muito solícitas -- me fosse gratificante.

Com o apoio e supervisão de um Certo Rui Baralha, simpaticíssimo, fizemos a melhor exposição DE TODO O PAÍS de desenhos & objetos de Capoeira (com ampla ajuda de Nelson Guedes, já falecido), além de fotos. Ainda hoje, passados 25 ANOS, é um marco real de uma visão CULTURAL da Capoeira nacional. As fotos e registros em jornais não me deixam mentir... e tudo graças a um dos filhos da magnífica poetisa Celeste Proença, com quem teria eu o prazer e a honra de ouvir e falar sobre trova nos saraus mensais (a partir de 1995/96) na casa do Alonso Rocha. Creio que a essência da GRATIDÃO está em não esquecer aqueles que nos ajudaram algum dia... saiba, pois, o cronista Edyr Augusto que jamais esqueci os 4 ou 5 minutos em que nos encontramos!

"NATO" AZEVEDO - (escritor e compositor) - 25/agosto 2016

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ADENDO (ao texto "CEM HOMENS BONS")

OBASERVAÇÃO: por um lamentável lapso da memória senil acabei por esquecer o nome do empresário RUI NOGUEIRA, proprietário da FOTO GALERIA, importante loja do setor aqui em Belém. Tendo nos apoiado nas exposições "CAPOEIRA - do início aos nossos dias" (1989) e "ARTE-FINAL: Capoeira"! (1990), êle nos patrocinou amplamente em 1991, na "A CAPOEIRA EM TODAS AS ARTES", atendendo todos os nossos anseios e idéias, inclusive o lançamento de 110 photocards, postais com texto anexo, fato inédito até em têrmos nacionais. Outro nome esquecido foi o do jovem capoeirista "Brás" (Antônio P. S. Bahia) que não só apoiava nossas Rodas informais aos domingos na Praça da República -- começando até com meia dúzia de abnegados -- como também nos doava fotos de eventos e Batizados que cobria, por contrato ou eventual presença.

Além desses, colaboravam nas Rodas (entre 1988 e 94/95) os na época professores "Laíca" e os irmãos Nonato (já falecido) e "Rái", trazendo seus alunos e sustentando a existência do folclore-luta na principal praça da Capital. Ninguém faz NADA sozinho... portanto, OBRIGADO a todos que nos ajudaram algum dia. É preciso ressaltar que jamais recebemos 1 centavo de quem quer que seja... todo o esforço para divulgar a exposição "itinerante" (de 1991 a 94) foi custeado inteiramente com o que faturávamos enquanto JORNALEIROS nas ruas do bairro Cidade Nova! ("NATO" AZEVEDO - em 6/set. 2016)

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OBS: aos interessados nas LUTAS e "realizações" do CCCP (1988/92) segue abaixo um dos vários LINKS>

Ka-á-Pueira de Angola*: Estava Escrito e Golpes de Capoeira!

professorleiteiro.blogspot.com.br/2010/01/estava-escrito.html