Cheiro de mofo.

Lá longe, nos primórdios da minha vida profissional, às vezes me mandavam ir buscar alguns documentos no "arquivo morto" da empresa, e lá ia para aquele fétido passeio, entre corredores numerados de prateleiras sem fim, altas e contendo caixas e caixas de arquivos, intermináveis. As mais altas necessitavam da escada de correr, e todas as vezes que tinha que ir parecia que seria o fim dos meus dias, voltaria contaminado por alguma bactéria letal. Me imaginava condenado a morte, sem direito a constituir família.

As empresas grandes são muito organizadas, e sempre encontrava o que me pediam, pois registravam a localização exata, mas mesmo assim perdia-se tempo lá dentro, uma espécie de porão nazista.

O tempo passou, e muito, tive família sim, estudei , e tive funções bem mais agradáveis e importantes, de maior responsabilidade para a empresa, mas nunca me esqueci do enorme porão, onde o tempo desaparecia na penumbra, pois mesmo com as luzes acesas parecia sempre estar escuro, e daquele cheiro de mofo que grudava nas narinas.

Eu sempre dizia aos colegas ; " um dia toda esta papelada que estamos escrevendo sem parar irá para o porão, e daqui a séculos quando fizerem escavações ,tentarão decifrar a porcaria que estamos fazendo ", e eles riam , se imaginando interpretados por novas civilizações mais avançadas.

A verdade é que um dia chegou o computador, as digitalizações, muito menos papeis, arquivos em pastas virtuais, e as prateleiras fictícias apenas em uma tela de localização, e os "pen drives" guardando um mundo de coisas portáteis, e felizmente sem cheiro de mofo...quanto ao demais, são os mesmos .

Aragón Guerrero
Enviado por Aragón Guerrero em 26/08/2016
Reeditado em 26/08/2016
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