Zé Mané e a Loira Assombrada*

Zé Mané era chamado exatamente assim porque sempre foi um bocó.Tinha esta fama difamada desde moleque e servia de chacota pra toda galera, que anunciava em praça pública, a sua bobice aguda!

Era lerdo demais, dono de uma ingenuidade profunda, mas de um coração do tamanho do mundo!

Preguiçoso, nunca foi. Acordava com as galinhas e também dormia com elas.Apesar de parecer meio abobado, diziam que era muito namorador e se apaixonava à toa, à toa, se transformando numa praga na cola da infeliz.E esta praga, poderia ser qualquer uma que olhasse meio de banda, assim, torto.

Colocava na cabeça que ela tava dando “mole” e aí grudava como chicletes, não se fazendo de arrogado.Mandava beijinhos, flores do campo e até um bilhete de amor, mal escrito por sua letra cheia de garrancho. Só que tanto atrevimento assim não era ameaça a nenhum casamento jurado e sacramentado pela confiança mútua, pois aquele sonso só fazia sucesso com a cachorrada da rua, que não largava do seu pé, mordendo a sua canelinha seca.

E por que “sonso”? Só porque era estranho, esquisito e diferente das outras pessoas? Que sociedade é esta que satiriza o que não lhe é semelhante, sendo que ninguém é igual a ninguém? Então Zé Mané era considerado o bobo da corte e nem sabia.

Ele morava num barracão antigo e lá mesmo fazia suas coisinhas; lavava a roupa suja e cozinhava a sua própria gororoba.

Logo cedo colocava o pé na estrada, ciscando de lá para cá, atrás de uma farra, uma brincadeira ou um tererê que lhe fizesse morrer de rir, sacudindo aquela pança gorda que era a alegria da galera.Foi nascido e criado numa aldeia de pescadores e conhecia cada palmo de chão, voltando para casa apenas no final da tarde, cansado de tanta sassarico.

Tudo ia muito bem, até que um “causo” inédito acabou com o sossego da vizinhança.Era uma história macabra; daquelas de cair os dentes.Ouça só: “uma loira assombrada cismava em aparecer com o cabelo escorrido pelo corpo, andando de lá para cá no meio da mata, totalmente pelada. Pelada?! Isto mesmo, carregando apenas uma vela vermelha na mão.

As criancinhas não queriam mais ir para a escola e ninguém dormia como antes.Então fizeram uma reunião na penumbra da noite e decidiram que um homem forte e valente teria que dar uma surra naquele fantasma atrevido, acabando de vez com tanto mistério.E este homem só tinha um nome; o Super Zé Mané.

O intrometido logo se prontificou a vingar-se da loira aguada, apenas para ser reconhecido como um herói intergaláctico!Num minuto arrumaram seus apetrechos poderosos; uma arma de fogo, um crucifixo, um colar feito de dentes de alho e um livro sacrossanto. Com um chute na buzanfa, arremessaram o otário na boca da mata e depois ficaram de prontidão, numa romaria de fé, esperando que o coitado desse um fim naquela assombração ridícula.

Ele fez uma oração comovida, suspirou fundo e pegou a trilha, morto de medo.Era uma noite de lua cheia e Zé Mané foi caminhando lentamente, sem olhar para trás. O seu corpo tremia de pavor e tinha certeza que nunca mais voltaria! Dito e feito. Procura daqui e dali, mas nada de encontrar o infeliz, que sumiu do mapa sem mandar recado.

Passaram-se anos e o barracão de Zé Mané transformou-se numa capela, visitada por romeiros de toda a região. Ele tornou-se reconhecido e venerado por todos, porque após a sua partida, a loira pelada nunca mais apareceu. A paz voltou a reinar na aldeia e as criancinhas saltitavam em rumo à escola, eternamente gratas ao Santo Zé Mané, que mandou a loira pelada vagar, em outra freguesia!

Só que a verdade verdadeira era bem outra; quando os dois se encontraram no meio da mata, se atracaram numa luta corporal das bravas; se abocanharam com gosto, se arranharam pra valer , se socaram com fúria e depois se casaram após nove meses do ocorrido!

Zé Mané, que de bobo nunca teve nada, dominou o coração solitário da loira assombrada, encalhada e principalmente assanhada.Conta à lenda que os dois vivem felizes numa cabana velha, no meio da floresta, onde apenas se ouve uivos misteriosos na calada da noite!

Silmara Retti