VOLTA ÀS AULAS*

Ontem Dona Jandira completou 60 anos e para ela isto só não bastava.Nunca foi de luxo e o que a vida de mãe de família e dona de casa lhe reservou foi o bastante para mandar Deus fechar a conta e passar a régua.

Uma mulher vivida assim não esperava mais nada de ninguém.Já tinha sua geladeira luxuosa e cheia de badulaques pendurados na porta; uma televisão colorida e uma carteirinha do Clube do Tricô.Mas estava faltando alguma coisa para que pudesse ser feliz: o reconhecimento da família, dos amigos e da sociedade.E como respeitar um rosto já marcado pelo tempo, com seus caminhos que se desencontravam num par de lábios mudos, sem vontade, sem protesto e sem prazer?

Tinha que ter peito para encarar o espelho e dizer com plena certeza:

- Esta sou eu e gosto de mim exatamente assim!

Então dona Jandira apoiou a cabeça num cantinho da rede só para matutar melhor sobre tudo que já tinha passado durante todos estes anos.Os meninos que fizeram outros meninos, do velho Agenor que se foi pra nunca mais voltar, do aluguel da casa pago com muita roupa passada para fora...

Agora não tinha mais ninguém por perto querendo uma comida quentinha ou uma calça nova de aniversário.Era só sossego e com 60 anos o corpo pedia tranqüilidade.Porém uma mulher como Jandira exigia novas emoções e não podia, jamais, envelhecer desta forma.

A sua cabeça funcionava como antes, apenas muito mais madura e experiente.Conhecia o valor do mundo; o quanto custava um minuto de sabedoria e estes valores faziam dela uma doutorada na escola da vida.

Se quisesse poderia fechar a cortina para tomar uma água, dar um suspiro e voltar em cena, porque o show não pode parar nunca.

Ela balançava a rede de lá pra cá.Não gostava de ficar assim, ociosa.Não tinha jeito para viver descansando.

Aguou as plantas do quintal, deu uma passada de vassoura no quarto, cozinhou uma macarronada bem gostosa e ainda sobrou tempo para o resto do dia.Todinho só para ela!

Ontem foi o seu aniversário e ninguém havia se lembrado.Nem um telefonema, uma visita surpresa ou um agrado especial.

Dona Jandira poderia ficar de molho por causa disto, sentindo-se a vovozinha rejeitada.Mas NÃO, era uma guerreira e nunca se fez de vítima! Olhou para o horizonte e percebeu que o mundo lhe esperava sacudir a poeira e ir para a galera.

Não estava só.O seu sonho secreto continuava ali, aguardando que criasse coragem para vencer os próprios limites.

Com 60 anos de idade mal sabia escrever. Sentia que isto era um problema em sua vida e que poderia ser resolvido, se tomasse uma atitude diferente.

As férias escolares haviam terminado e os alunos já se preparavam para a volta às aulas e Dona Jandira não ficou para trás.Procurou a escola mais próxima de sua casa e matriculou-se também.

Deu um passo em direção a mais este degrau e, como uma verdadeira aprendiz, ansiosa por superar mais este obstáculo, dona Jandira se achou no direito de lhe dar este presente. Aprenderia a escrever o seu próprio nome, depois o nome de tudo ao redor e quem sabe até escrever um livro de poemas, como sempre quis.Porque nunca é tarde para ter sonhos e lutar por eles.

O futuro é feito assim, de pequenos desejos e grandes conquistas; 60 anos não é o fim do mundo. É simplesmente o começo de um recomeço, despertando novas emoções como se o melhor da vida ainda estivesse para acontecer.Basta apenas acreditar, transformando a própria história num exemplo de luta, coragem e determinação.

Silmara Retti