DETALHES DE NÓS DOIS: AUTOR & LEITOR-PARTE II

EXERCÍCIO - Observações na obra de JOÃO GUIMARÃES ROSA - assuntos para infinitos debates em sala de aula:

1--- no primeiro parágrafo, o narrador, isto é, quem conta a estória é um “eu”: impressões suas e dos outros /// a linguagem se organiza predominantemente segundo um princípio ordenado, seqüencial e lógico

2---no segundo parágrafo, hipótese para o pai ter encomendado a canoa - dedicar-se a pescarias ou caçadas? teria ficado louco? estava pagando uma promessa? estava com lepra? tinha sido avisado, como Noé, de um possível dilúvio?

3---personagens - a) relação de parentesco (sangue ou afinidade) - eu-narrador, pai, mãe, irmã, irmão, vizinhos, conhecidos - b) referência individual ou em grupo - mestre, padre, soldado, homens do jornal, homem que faz a canoa

4--- personagens ‘nosso pai’ e ‘nossa mãe’ se caracterizam por predominância de estado e ação, comunicado a partir de relações de oposição // “mas... nosso pai mandou fazer para si uma canoa” - ação paterna originada por uma decisão individual (a adversativa ‘mas’ indica rompimento da ação habitual) - atitude contraditória e inexplicável, para o leitor; inadequada e incompreensível, para família

5---“aquilo que não havia, acontecia” - nem mesmo o narrador demonstra ter compreendido - ‘acontecer’ e ‘haver’ significam sobrevir e comportar-se // contudo, a reação do filho-narrador tem aspecto intelectual: preocupa-se em entender a atitude do pai; aspecto emocional; sentimento de culpa por não se identificar com o pai - de modo geral, a reação dos familiares é puramente afetiva

6---comportamento do pai - encomendou a canoa, demonstrou-se certo do que estava fazendo, como era seu hábito; só admitiu interromper sua atividade quando o filho se dispôs a substituí-lo

7--- “nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo... Só quieto.” “Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa” - desconformidade entre a descrição e a narração

8--- “para dever durar” - dever, obrigatoriedade // “...própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos...” - afirmação ampliada e reforçada pela sequência “Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais.”

9---“...o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira” - descrição do rio em 3 dimensões: comprimento, profundidade e largura: a descrição desvenda o título do livro // apenas duas margens expressas com clareza no texto; a terceira explicita-se em “Naqueles espaços do rio, de meio a meio.”

10---no início do terceiro parágrafo, ações do personagem “nosso pai” estão predominantemente caracterizadas pela negação: “Cê vai, ocê fique, você nunca volte”-organização sintática obedece a um princípio de paralelismo

11--- numa leitura vertical e paralela teremos:

cê - vai

ocê - fique

você - nunca volte

eixos de leitura explicitando a existência de gradação crescente em ambos os eixos - gradação fônica, silábica e semântica

12---“desamarrou, pelo remar” - a afirmação nega passividade em “nosso pai” // “e a canoa saiu se indo - a sombra dela por igual...”- maneira de sair se indo // “não voltar” / “não ter ido” - dupla implicação expressa ação ambígua da personagem

13---qualidades essenciais da canoa, ao mesmo tempo essenciais da personagem e da narrativa - a) “especial” porque destina-se a uma ação ‘especial’, ou seja, fora do normal - b) “pequena... mal com a tabuinha da popa...” antecipa o gesto extremamente solitário - c) canoa fabricada para “durar na água uns vinte ou trinta anos” antecipa de certa forma a duração de ‘vida’ do pai

14---família desagregada pela atitude do pai, querem manter a união, padre paramentado para esconjurar o demônio do pai, soldados assustarem o pai

15--- ele permanece na canoa e não sai nem para comer - hipótese de causa: a) mantimentos escondidos na canoa se acabarão - hipóteses de efeito: b) ele desembarcaria e iria embora para sempre; c) ou retornaria em definitivo para casa // comportamento anormal do pai apenas no momento em que toma a decisão de sair; depois, tudo normal dentro da sua lógica

16---título do conto alude a uma terceira margem: mas os rios só têm duas......... // no espaço físico, rio dinâmico e margens estáticas - a terceira margem implica em movimento, isto é, a ação do pai

17---os três últimos parágrafos ressaltam, sobretudo, uma linguagem figurativa, organizada a partir de uma lógica e coerência internas ao texto // no último, a linguagem se organiza, sobretudo, a partir de relações paradoxais

18---numa análise global do conto, percebemos autor preocupado com a linguagem em que a estória é contada // conto refere-se a um ser, apresentado pelo discurso do narrador que mostra o impacto de uma ação causado na família e no grupo // ponto de vista do valor do conto com reação a aspectos da vida humana: a) em muitos casos, para preservar a própria individualidade, é necessário sair da “norma” estabelecida pela sociedade; b) a visão da realidade exclusivamente por dois ângulos é muitas vezes empobrecedora.

Fonte:

Recortes de livro didático não especificado.

FIM