VIDA DE NOVELA *

Vidigal era aquele homem “fino” que fazia gosto em ter sua marmita totalmente areada feito um espelho, só para depois ficar palitando os dentes bem de pertinho, olho no olho, cara a cara.

A piãozada da obra babava de inveja do tamanho do prato que o “malditinho” mandava para dentro do bucho, sem piscar, numa gula de dar dó! Ele se achava o bem sucedido do pedaço e tudo culpa de dona Amália, que ainda servia uma super sobremesa, no capricho: laranja gelada com doce de banana!

Ele não podia reclamar de nada, pois era um pedreiro de luxo, chique e muito bem tratado pela mulher.Vidigal sabia, como ninguém, dar o troco merecido para a sua sócia de plantão, comprando tudo o que ela mais queria:

- Um corte de vestido novo, um brinco de pedras coloridas ou qualquer mimo que lhe fizesse feliz.- pensava.

Para ele, Amália não precisava de mais nada nesta vida.Tinha a sua geladeira que fazia gelo de verdade, uma televisão que pegava todos os canais, só com uma palhinha de aço na antena, e um tanquinho de roupa que era um verdadeiro escravo do lar.

No começo do casamento ela parecia encantada com as gracinhas de Vidigal, mas com o passar do tempo foi ficando triste e amuada, com um bico de dobrar a esquina.

- Que Vidigal mais cafona! Não muda o disco!

Merecia um sujeito diferente; alguém que lhe oferecesse uma vida mais dinâmica.Então passou a economizar o seu tempo com o maridão, evitando a sua cara de chuchu.

Assim que Vidigal cruzava a linha de chegada, ela corria para o quarto fingindo-se de morta, gemendo de dor de cabeça.E numa noite daquelas, enquanto o pobre coitado se esgoelava no fogão, fazendo um mexidinho rápido para tapear a fome, Amália percebeu um barulho danado vindo do fundo do quintal da vizinha, que era parede com parede.

Quase quebrou o pescoço para conferir o acontecimento de perto.Ufa,tinha que descobrir de qualquer jeito o motivo de tantas risadinhas picantes que deixavam o seu ouvido arrepiado de curiosidade . Pronto, virou fã de carteirinha da família Barbosa.

Ela não fazia mais nada nesta vida, só de orelha em pé, com um saco de pipocas no colo, pronta para assistir a sua novela preferida: - a casa da vizinha.Ali, de butuca, ela chorava e ria, se emocionando com a vida deslumbrada daquela mulher.

- Não acredito que ela perdeu o emprego...- e chorava lágrimas de sangue.- Mas ainda bem que tem um tio rico em Minas Gerais.

Muitas vezes chegou a subir no próprio armário, apenas para escutar os últimos acontecimentos. Com os olhos fechados imaginava o dono daquela voz melodiosa, o rosto do filho mais velho ou o novo corte de cabelo do caçula.Agora ela fazia parte da família e sabia de cor o horário que jantavam, dormiam, discutiam e até namoravam.

Vidigal já estava desnorteado com aquela patifaria toda e exigia uma explicação.Onde estava a sua Amália de antes, hein? Ora, coisa do passado. Agora ela era uma mulher moderna, televisiva e antenada.

Na verdade Amália apenas imaginava as coisas e se Vidigal fosse mais criativo, faria um furo na parede só para assistir de camarote o programa de maior audiência da sua própria casa:

- Ontem eles comeram pizza e a filha do meio cabulou aula, em dia de prova.Levou uma surra daquelas! Depois foi chorar no quarto da frente e daí não ouvi mais nada.- narrava.

Era uma novela ao vivo e sem cor, porque não tinha nenhuma imagem.Muitas vezes passou em frente à casa da vizinha, esticando o pescoço para gritar:

- Boa tarde.Ontem foi o aniversário do seu avô que mora em Santos, né? Parabéns, hein!Mande um abraço!

E ninguém entendia como aquela mulher sabia tantos detalhes assim! Por mais que Vidigal esperneasse de raiva, Amália não perdia um capítulo da trama.Ele até prometeu ir embora de casa, mas ela nem se importou.

- Saia de fininho, sem fazer barulho.Hoje vai ser o momento decisivo: eles vão brigar.A mulher tem um amante. Sei lá quem.Ainda não conseguimos descobrir.

Enquanto Vidigal arrumava suas trouxas, dona Amália nem piscava, de ouvido colado na parede. De repente começou a chorar desesperadamente:

- O amor é lindo! Ele a perdoou.Meu Deus, que loucura!

Nisso correu para os braços de Vidigal, aos prantos:

- Eu sabia que ele era um homem do Bem!

Foi quando o maridão não se conformou em perder sua esposa amada, assim, de uma maneira tão banal. Agarrou dona Amália com tudo e lhe atirou no assoalho, lhe pregando um beijo de língua.Rolaram no tapete até o dia clarear.Vidigal estreou ali mesmo uma longa metragem, produzido especialmente para maiores de 18 anos, fazendo a própria Amália lhe aplaudir de pé.

- Vidigal, que emoção. E ainda ao vivo e á cores! Esta eu quero “ver de novo”. !- suspirava, feliz da vida.- Bis!Bis!

A atuação de Vidigal foi um verdadeiro sucesso de bilheteria e agora todas as noites, ela pedia reprise, fazendo com que ele levantasse o ibope e detonasse de vez com a concorrência.

Silmara Torres Retti