UM SHOW DE BELEZA !*

Qual era o menor circo do mundo? Era o terninho de Ebervaldo, porque só cabia UM palhaço dentro: ele mesmo.

Era com esta piadinha picante que as pessoas riam alto da cafonice explícita de Ebervaldo José, que nem se incomodava em rimar “alhos” com “bugalhos”, botas coloridas com calças antigas ou seu cabelo chanel com a blusa cacharrel.

Desfilava pelas ruas da cidade naturalmente, fazendo a sua própria moda com muita simpatia.Para ele não tinha sentido em ser de outra forma, pois apesar de saber o quanto ás pessoas zombavam do seu jeito sem jeito, apenas se importava em garantir um futuro rechonchudo.

Mas, pra quê se aquele pastel era solteiro, sem parentes aparentes e vivia circulando com sua pasta de documentos importantes debaixo do braço? Ninguém sabia direito das suas transações financeiras, porque era um túmulo fechado e sacramentado pela discrição.

Era um ”Pavão Misterioso”, que despertava o deboche daqueles que lhe conheciam.Aliás, daqueles que não lhe conheciam de verdade.

Ebervaldo José tinha um coração do tamanho do mundo e se não combinava as cores da roupa, era porque tinha coisas que lhe pareciam mais importantes na vida.Tinha outros objetivos a serem conquistados e conquistou! Era dono de uma personalidade única, convicto em seus ideais e disposto a batalhar por tudo que sempre quis, com muita garra e determinação.Apenas não se enquadrava nos conceitos de beleza impostos pela sociedade, que não consegue enxergar a um palmo do seu nariz, a grandiosidade daqueles que são bonitos naturalmente: de dentro para fora.

A mulherada achava Ebervaldo sem graça e não botavam fé na sua pessoa, achando mesmo que só servia para fazer os outros rirem da sua cara de gelatina.E aquele moço esquisito preferia viver ao seu modo sem modos, mesmo que pagasse o maior Mico do mundo!

Sandra era a primeira a lhe criticar e não se conformava com tanta cafonice.Sentia raiva do seu jeito audacioso em dizer com a boca cheia que não devia nada a ninguém.

Como de fato; ele tinha sua própria renda mensal e nunca dependeu daqueles linguarudos para comprar uma bala de goma.

Até que um dia quiseram pregar uma peça em Ebervaldo e a danada da Sandra se fingiu de apaixonada, apenas para se aproximar do rapaz.

- Vou pregar uma peça neste palerma.- pensava consigo mesma.

Depois que risse bastante da sua cara, lhe mandaria um pontapé certeiro, fazendo Ebervaldo se sentir um verdadeiro palhaço.

Mandou cartas de amor e bilhetinhos eróticos, onde dizia ser uma pobre vítima da paixão, desejando apenas marcar um encontro amoroso com o bonitão.

- Pode ser numa lanchonete, no cinema ou na pracinha da Igreja.Não importa! Quero apenas sentir de perto toda a sua sedução e beleza.

Só que Ebervaldo nunca foi bobo como diziam.Ele era uma pessoa sensível e logo percebeu que Sandra precisava aprender uma lição.Assim como todos aqueles que estão acostumados a viver de aparências e futilidades.Marcou o tal encontro e ficou esperando na esquina, onde Sandra se coçava inteira de pura curiosidade.

Enfim, a sós.Ebervaldo usava sapatos de couro marrom e um macacão xadrez colado no corpo.Parecia uma zebra desnutrida e ela precisou segurar o riso, para não cair na gargalhada ali mesmo.

No início não tinham muito assunto.Falaram do sol, da chuva e do frio...Depois um silêncio profundo.Do que falariam agora?

Sandra quase morreu de alegria quando ele a convidou para ir até sua casa, pois lhe faria uma surpresa inesquecível.Então, muito satisfeita, concordou na hora, retocando a maquiagem.

- Como você é danadinho! – murmurou, piscando um olho.

Andaram por alguns minutos, até que Ebervaldo parou diante de uma casa enorme, rodeada por muros pintados de azul.Uma música suave vinha do quintal, se confundindo com risadas de crianças.

- Não estou entendendo nada.- resmungou a moça, já aflita.

Então, ele explicou para Sandra que ali dentro estava o grande motivo de tantas economias, de tanto trabalho e de tanta alegria.Que existem outros valores nesta vida que vão além das aparências e um sorriso de criança é uma jóia de imenso valor.

Ela continuou muda, ajeitando o topete engomado.Foi quando Ebervaldo José abriu o portão daquela casa, que não era somente sua, e várias crianças lhe abraçaram gritando de alegria:

- Vivaa, o tio Ebervaldo chegou!- lhe beijavam com carinho.

Eram as suas crianças, cuidadas e amadas por ele como nunca foram por ninguém.Para elas Ebervaldo não significava apenas um moço esquisito, fora da moda e cheio de manias.Ele significava AMOR, porque a verdadeira cafonice é a falta de respeito e acima de tudo, a ausência da dignidade.E com certeza Tio Ebervaldo era um show de beleza humana!

Silmara Torres Retti