UM AMOR DE CARNE E OSSO *
Quando as pessoas encontravam Zulú e Brasinha de bituquinhas pelos cantos, sentiam muita inveja e comentavam que não sabiam da onde vinha tanta “melação”.Ela era sequinha como batata palha e ele parecia um fiapo de linha amestrado.Claro! Não comiam e nem bebiam.Só viviam de puro amor!
Este fanatismo começou como uma doença, desde o primeiro dia que avistou aquele príncipe desencantado, fugido dos Contos de Fadas, para viver um romance misterioso com a Borralheira Zulú. Escreviam bilhetinhos desenhados, trocavam comidinha na boca um do outro e faziam questão de demonstrar o tempo inteiro que estavam totalmente envolvidos num só coração.
Também tinham apelidos carinhosos como “bebê”, “xuxuca” e “gatuna”. Todos os dias arrumavam um motivo especial para comemorar:
- Um mês após a primeira piscada.
Juravam que seria amor eterno, mesmo que fosse para viverem numa moita na beira da Praia Vermelha, sem lenço e sem documento, apenas no maior Love! De papo para o ar, felizes para sempre!
Zulú não tinha palavras, idéias e nem assunto.
Brasinha era um pato morto.Nunca falou sobre política, religião ou futebol e apesar de tanta encenação cinematográfica, pouco se conheciam de verdade.
Só que a vida não se resume em um desenho animado com finais felizes a cada instante, porque aqui fora o mundo é de carne e osso.
Após pouco tempo de namoro, eles marcaram a gloriosa data do casamento.Tudo estava muito lindo e cheio de graça!
Brasinha se achava um bem sucedido vendedor de sapatos e exigia que Zulú parasse de trabalhar como doméstica para se dedicar exclusivamente ao novo lar.Para ele, o importante seria a roupa pendurada no varal, o feijão com torresmo no capricho e o lençol de bolinhas comprado no Crediário, em treze vezes sem juros.
O casal Maravilha estava cego de amor, feito dois periquitos apaixonados. Até que por zica do destino, ou olho gordo das fofoqueiras encalhadas, aconteceu uma tragédia: Brasinha foi mandado embora do serviço, com sapato e tudo!Pronto, o mundo da fofa caiu!Não estavam preparados para enfrentar os problemas conjugais e o grande amor de Brasinha e Zulú foi para o espaço! Ela se descabelou toda enquanto seu príncipe desencantado se transformou em um sapo do brejo, cheio de dúvidas e dívidas.
Aquela mulher louca de paixão sumiu de mala e cuia para a casa da mamãe, acreditando que na novela das oito tudo seria diferente. Envelhecer numa moita, vivendo de pão duro e água de chuva, nem morta!Brasinha ficou pasmo de desgosto.Caiu na bebedeira, perdendo o pouco que tinha no balcão do bar do Totó.
Estava no fundo do poço, enquanto Zulu se acorrentava aos pés da cama para não ir ao seu encontro, já morta de saudades.Não suportava ver seu Brasinha Maravilha definhado pela sarjeta, clamando piedade com uma caneca de alumínio na mão:
- Uma esmolinha para um pobre infeliz!- resmungava.
Não, aquele não era o seu, sempre seu, Príncipe do Amor! Resolveu escrever um bilhete, pedindo para que a molecada da rua lhe entregasse imediatamente.Queria marcar um encontro na praça da Matriz, onde pudessem conversar melhor.Ás seis horas em ponto Brasinha chegou, com os olhos inchados de tanto chorar, ainda mais seco do que nunca.
Zulú não ficava para trás, disfarçando as lágrimas com óculos escuros.
Então, o que fazer? Zulú não suportava mais á distância e agora tinha certeza que amava um homem de verdade, com seus defeitos, seus limites e seus problemas. Pareciam dois desconhecidos diante de suas próprias dificuldades e precisavam unir as forças num único objetivo.
Após horas de choradeira, resolveram recomeçar.Ela se prontificou a ajudar em tudo que precisasse.Arregaçou as mangas e conseguiu arrumar um emprego na padaria do Jair.
Enquanto Zulú trabalhava fora, Brasinha se descabelava feito louco para deixar tudo um brinco.Com o tempo conseguiram pagar as contas atrasadas, fazer o financiamento do carro novo e bater a laje da casa.
Ela ainda lhe dava sopa de ervilha na boca e continuava a lhe tratar por apelidinhos carinhosos, como Tigrão e Homem-Cueca.Só que agora era diferente, porque haviam amadurecido com a separação.
Através das dificuldades, aprenderam a se conhecer melhor, fortalecendo o companheirismo. Zulú e Brasinha estavam cada vez mais unidos, vivendo um casamento de carne e osso, feito por momentos alegres e tristes.Somente assim poderiam reconstruir uma nova,verdadeira e sólida HISTÓRIA de AMOR! /
Publicado no Jornal A Cidade - setembro-2007