O homem nu
Era um homem honrado.
Trabalhou com afinco, estudou até se formar.
Só então se casou, na paz dos homens de bem.
Os pilequinhos de fins de semana faziam seu corpo arrepiar ao perceber que era o orgulho dos pais, modelo para os amigos, exemplo para os filhos.
Em todas as discussões, era o último a falar, ponderado.
Afirmava, envolto numa aura de bondade, que seus conselhos eram simples e fáceis de ser seguidos.
Apegado à religião, tinha sempre pronta uma frase bíblica para exemplificar o seu pensar.
Temia a Deus e acreditava na justiça dos homens.
Mas esse homem bom, esse brasileiro repleto de virtudes, trazia escondido alguns defeitos.
De repente danou a versar sobre política, afirmando que precisava dar a sua parcela de contribuição.
Quando preencheu a ficha de filiação ao partido político, um risco de arrepio tomou conta do seu corpo, mas foi adiante.
Vestido de candidato caminhou pela cidade, os sapatos ficaram gastos, a pele ressecou, o bigode e as pontas dos poucos cabelos precisaram de tinta.
De repente, já não rezava antes de dormir.
Comprou dois pares de terno, vestia um a cada dia, desconsiderando o desconforto, se acostumando aos poucos com a distância da antiga bermuda, a camisa folgada, o par de chinelos.
E foram tantos os apertos de mãos que logo o gesto se tornou costume.
Não percebeu quando passou a olhar o frentista nos olhos, nem notou que o vizinho era solitário, mas sentiu prazer ao perceber que aquele tio, distante e velho, dele se lembrava com riqueza de detalhes.
Logo seu riso começou a tornar-se falso.
Não sabia que tinha tantos parentes, nem mesmo que os amigos lhe eram gratos pelo passado de hombridade.
A foto no santinho não tinha rugas, o brilho mascarado, azul ao fundo, obscura pelos pensamentos.
Foi eleito raspando, graças aos votos de outro candidato, um ser desprezível que tinha dinheiro.
Quando deu por si já possuía dezoito pares de ternos, fez implante nos cabelos e raspou o bigode.
Tentou ser um político honesto, mas foi ligeiramente tragado pelo sistema.
Alguém lá atrás avisou sobre o sistema.
Rasgou sem pudor o que antes chamava de ideologia, ao povo deu bananas, se importava apenas em cumprir as ordens do grande chefe.
Era outro homem, quase rico, quase dono de todas as coisas que sempre almejou.
Quando a primeira nota de jornal denunciou as falcatruas, não recuou, pensou sinceramente que era um ataque da oposição, que havia feito um trabalho bom o suficiente para tentar a reeleição.
E afrouxou os botões da camisa.
Não conseguia mais encarar o rosto da mulher, a companheira já não era cúmplice, mas uma estranha que lhe cobrava com olhares muito mais que palavras.
As denuncias cresceram e logo as algemas tomaram lugar da pulseira de ouro.
No dia que saiu da prisão, conseguiu reunir todos os filhos.
Quando abriu a porta do restaurante, foi saudado por olhares inquisidores, a fogueira que ardia em cada canto do lugar.
Só então se sentiu despido.
Estava nu e todos os olhos apontavam suas partes pudendas, que em vão tentava esconder.
Saiu sem se despedir, se juntando aos outros que limpavam o ranho das crianças pobres, ciente que não estava só.
Pelas ruas da cidade, as calçadas estão repletas de homens nus.