De passagem, sem tempestade.

No fim do dia, me deitei e minha cadelinha vem comigo. Ficamos nós duas na cama de solteiro, e ela se deita de uma maneira que me deixa espremida na parede. Não sei como, mas estava incrivelmente confortável. Sou doida por essa cadela, às vezes me pergunto se ela sabe. Pela casa, tocava baixinho Geraldo Azevedo.

“Dona da minha cabeça

Ela vem como um carnaval”

Eu ficava de bruços, aquela posição em que se fica com as costas para o teto. A parede em que eu estava encostada tem uma janela que, mesmo tendo uma tela,

“E toda paixão recomeça

Ela é bonita

É demais”

dava pra ver bem o céu. Mas eu só me prendi em senti-lo, não me virei pra vê-lo, não saí da minha posição. Minhas costas sentiam tudo, a calmaria da noite, do céu e das estrelas amenizando o peso que eu sentia nos ombros. Peso do desejo que tenho.

O pesar do desejar.

“Quero saciar minha sede

Milhões de vezes

Milhões de vezes”

E nessa calmaria disfarçada, me vem, de mansinho, cinicamente, como se fosse a primeira vez no dia, e talvez fosse, pois eram 00:39hr da manhã, o pensamento nela, pra ela e, quem sabe, dela. Quantas vírgulas para segmentar um pensamento que já foi, em um parágrafo cheio de freios.

“Não há um porto seguro

Futuro também não há

Mas faz tanta diferença,

quando ela dança, dança”

Ela, que também acredita que de alguma forma “quando pensamos muito forte em alguém, essa pessoa também está pensando em nós”

“É na força dessa beleza que eu sinto firmeza e paz”

talvez estivesse ali, comigo.

Minhas costas estavam frias, mesmo com o ventilador desligado, e eu estava com uma forte sensação de que a qualquer momento poderia começar a neblinar. Pensei que, se caíssem as gotas bem no meio das minhas costas, talvez fosse a materialização do que acontecia dentro de mim. Assim, eu simplesmente fecharia os olhos e permaneceria, porque, se as gotas desabarem nas minhas costas, o máximo que poderia acontecer seria uma enchente, para levar tudo que não fazia parte de mim. Medo da água, mesmo minhas costas sendo terra Seca tentando viver. Representativo.

“Por isso nunca desapareça

Nunca me esqueça

que eu não te esqueço jamais”

Aquele meu dia acabava para mim. Voltei para o meu quarto. Afrouxei os pensamentos. Desisti das horas. As minhas costas ainda continuavam frias. Minha cadelinha, quentinha. E meus lençóis, enxutos. Nada demais aconteceu, apenas bateu uma brisa leve e levou tudo que podia de mim, para eu poder descansar um pouco.

Ak
Enviado por Ak em 25/08/2016
Código do texto: T5739504
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