TITIA RICA*

Tia Isaura era elegante, misteriosa e dona daquela pose que parecia a Rainha da Sucata.Com seus setenta anos de idade estava sempre besuntada com seu óleo facial de sardinha e o creme de essência de siri, passando milhares de horas relaxando diante do espelho.Viúva há mais de vinte anos, só tinha olhos para o gato persa que fazia questão de levar ao Shopping todas as tardes para o passeio de verão.

Jaiminho chupava sorvete como uma criança gulosa, lambuzando todo o focinho de chantilly.Depois miava alto querendo mais; mais pizza de calabresa, mais pipoca doce, mais carinho...Tanto dengo que aquele gato enjoado só faltava comer de garfo e faca.

A sua sorte era que Tia Isaura não suportava a própria família; sentia calafrios só de pensar no cunhado abelhudo, nas irmãs abelhudas e nos sobrinhos endiabrados.Seu único herdeiro sincero era Jaiminho, que nunca lhe pediu um centavo sequer, lhe fazendo companhia nas noites de solidão.Ela não participava de churrasco de noivado, casamento, batizado ou aniversário de parente.Preferia manter-se a distância, evitando assim o contato familiar.

E como aquela gente perturbava, meu Deus!Ligavam para ela todos os dias, pedindo o apartamento de Santos emprestado, o cortador de grama, a furadeira elétrica, o novo CD do Roberto Carlos...Então tia Isaura simplesmente ignorava tanto blábláblá e se dizia completamente sem tempo para ouvir as lamúrias de ninguém.

Não gostava de assuntos populares como a prestação do consórcio da moto, a reforma da casa em Cunha, a briga do cunhado com a sogra... Ela preferia ficar ao lado de Jaiminho, que era quase mudo e não perturbava, de forma alguma, a harmonia do seu lar.

Nessas reuniões de domingo o seu nome passava de boca em boca e não se conformavam com o desprezo da tia rica, que se isolava do mundo só de medo que pedissem umas moedas emprestadas.

Nesta vida existem privilégios que o dinheiro não pode comprar; tia Isaura era muito pobre e nem havia percebido.Ela não tinha com quem compartilhar suas emoções, não tinha alegria de viver, não tinha amigos!Tinha apenas um gato sonso que roncava a manhã toda no tapete da sala, se fingindo de morto.

- Jaiminho, você não acha que Anselmo Roberto deveria casar-se com Lorys Lóide, no último capítulo da novela?- sorria.

Ele nem piscava o olho.Tia Isaura se remoia de tédio.Então, o que fazer se não tinha mais ninguém para dialogar?

- Você aceita uma xícara de café com bolachas recheadas?- perguntava.

Jaiminho bufava de raiva porque na verdade era alérgico a café desde bebê e bolachas recheadas lhe davam espinhas na testa.Ela sabia disto e no fundo só falava para lhe irritar.O tempo foi passando e a relação dos dois estava ligeiramente estremecida.

Tia Isaura havia se transformado em uma mulher muito ranheta e Jaiminho não era mais o mesmo lordy de antigamente.Agora se fuzilavam com um olhar penetrante e aquele apartamento duplex estava ficando apertado para os dois.

Mas titia rica também fica doente e ela sentia-se deprimida e completamente só naquele lugar. Choramingava deitada no seu sofá lilás, enquanto Jaiminho apenas roncava nas almofadas de cetim.Ela quase empacotou de vez! Precisava de remédios, de uma sopinha quente ou até mesmo de um carinho gostoso.Aquele gato traíra abria apenas meio olho, numa preguiça sem fim, fingindo que nem estava ali!

Que raiva de Jaiminho! Não prestava nem para lhe fazer um cafuné no pescoço. Era um ingrato que lhe abandonou naquele momento tão difícil! Então Tia Isaura se arrastou até o telefone desesperada a procura de alguém.Poderia ser o cunhado, a irmã da tia ou a sogra da sogra.O importante era que lhe fizesse companhia.

Não demorou muito para que toda a sua família entrasse pela porta da sala, tremendo até o chão. Já foram ligando a T.V, fuçando nos discos, fritando um ovo e medicando tia Isaura.Todos falavam ao mesmo tempo, riam alto, pulavam na sua cama e eles faziam a maior festa.

Prepararam chá de alho, de picão, de repolho...Sopa de mandioca, de cebola, de mato verde e até de samambaia.

- Toma mais um golinho...- pediam, com jeito.

Ela sorria feliz, apreciando toda aquela euforia com outros olhos; olhos de AMOR. Depois colocaram um som na vitrola, lhe abraçaram com carinho e pediram que contasse as suas histórias da época da Carmem Miranda.Tia Isaura ria com gosto ao se lembrar dos antigos namorados e até da Primeira Comunhão.

De repente calou-se para abraçar cada um deles, matando as saudades, e chorou emocionada, mandando uma “banana” pra Jaiminho.

- Eu estava doente e não sabia.Agora me sinto curada, porque tenho amigos e uma família de verdade.

Não conseguiu dizer mais nada, porque o seu coração estava em festa. Pela primeira vez o apartamento duplex estava repleto de alegria e ali não tinha mais espaço para tanto egoísmo e solidão.Tia Isaura percebeu que a amizade, a companhia e a solidariedade da sua família não tinham preço, porque se ela fosse pagar tanto carinho assim, teria que pedir emprestado e ainda ficaria devendo o troco!

Silmara Torres Retti