SEM TEMPO *
Desde cedo que a pequena Marília esperava o avô, debruçada no muro do quintal, com os olhos atentos ao movimento da rua.Procura daqui e dali, mas Seu Onofre não vinha.De repente lá estava ele, sempre muito ocupado com sua carteira de couro preta, onde guardava fotos antigas de toda a família.Eram sorrisos já apagados pelo tempo, porque não existiam mais.Também não existia mais a guerrinha de travesseiro no tapete da sala, a brincadeira de pega no fundo do quintal e o beijo melado que costumava lhe dar, desejando uma boa noite de sono.
Agora o avô era um homem de pouco tempo e não conseguia enxergar nada além das contas atrasadas.Ele apressou o passo e abriu o portão, com um olhar obcecado, desejando apenas tomar um banho rápido para aliviar a tensão do dia-a-dia.Teria que ser bem rápido, porque ele não tinha tempo.Passou por ela sem perceber que estava crescendo a cada instante e precisava de uma força para ser mais feliz.
Apenas pagar as contas do colégio não era tão gostoso quanto comer pipoca no tapete da sala.E por que não? Era a sua menina e muito mais do que isto; o avô Onofre também precisava de um colo, só que não tinha tempo...
Marília puxou a ponta de sua camisa para lhe contar um monte de novidades, porém ele continuava com os seus pensamentos distantes.
- Ô vô, hoje a professora falou sobre a violência...
Ele caminhou até o banheiro e apenas lavou o rosto para tirar o suor.No outro dia cedo teria reuniões de negócios e a sua cabeça girava a mil por hora.E se não ganhasse a comissão tão esperada; aquela que pagaria o consórcio do carro? Então suava frio, pedindo que lhe servissem uma dose de uísque sem gelo, somente para relaxar.Mas se resolvesse sumir para uma praia deserta? Sem chance.Não tinha tempo!
Marília sentou-se do seu lado e soltou uma gargalhada gostosa.Na verdade queria muito que o avô lhe acompanhasse na brincadeira, porém ele continuou mudo.Estava tenso demais e as gracinhas de Marília já não tinham mais tanta graça assim! Havia se transformado numa menina boba, desengonçada e banguela.Só que ela não desistiu, procurando a todo custo algum motivo para que o avô sorrisse novamente.Pulou em seu colo, engasgando com as próprias palavras e com muito medo que ficasse irritado, perguntou baixinho:
- Vô, ô vô, o que é mesmo violência? – roeu o canto da unha, tímida.
Ele não respondeu, porque na verdade não compreendia que a maior violência é o descaso, a omissão e a falta de diálogo. É estar ausente mesmo estando presente e esta violência também machuca, oprime e faz doer tudo por dentro.
Então Marília, na sua simplicidade marota, abraçou o avô Onofre, como há muito tempo não fazia, lhe colocando em seu colo infantil.Acariciou os cabelos grisalhos e lhe contou uma história de ninar, acompanhada de um beijo de boa-noite.Quando percebeu, estavam rindo como duas crianças, porque ainda eram amigos e se amavam de verdade!
Seu Onofre esqueceu do mundo nos braços da pequena Marília e resolveu tirar um tempo para si mesmo.No outro dia bem cedinho, ligou para o escritório avisando que não poderia ir, pois agora estava em reunião com os prazeres da vida e naquele momento o melhor negócio era a companhia de Marília.E para ela, com certeza, teria todo o tempo do mundo!
Silmara Retti